Opinião
Impactos da reforma tributária sobre o setor elétrico
Se houver uma reforma da tributação de renda sobre as empresas do setor elétrico, é necessário prever meios para preservar o equilíbrio econômico-financeiro pactuado nos contratos de longo prazo com base na premissa de tributação anterior.
- Com coautoria de Richard Hochstetler e Eduardo Müller Monteiro
O Governo Federal colocou a reforma tributária na sua agenda prioritária, e ela será feita em duas etapas: a primeira tratará da tributação sobre produção e consumo, e a segunda etapa cuidará da tributação sobre renda.
A primeira etapa busca consolidar, racionalizar e simplificar a tributação da produção e do consumo (Pis/Pasep, Cofins, IPI, ICMS e ISS), sendo que há compromisso de que esta primeira etapa não elevará a carga tributária. Esta parte da reforma tributária promete trazer ganhos significativos para a sociedade, desde que a racionalização e a simplificação não sejam comprometidas pelas inúmeras exceções que os diversos lobbies procuram inserir na Proposta de Emenda Complementar 45/2019.
A segunda etapa da reforma aborda a tributação da renda. Esta etapa busca elevar a progressividade da tributação e elevar a arrecadação, o que pode ser muito danoso para o setor elétrico.
A compreensão dos impactos de uma eventual alteração da tributação da renda sobre o setor elétrico requer ter em mente que o setor é capital intensivo e que a maioria dos empreendimentos são viabilizados por meio de project finance, modalidade em que os financiamentos são concedidos com base no fluxo de caixa esperado do projeto, em vez de serem baseados na qualidade do balanço patrimonial da empresa, como é feito nos empréstimos convencionais.
Estes projetos são tipicamente muito alavancados, com cerca de 80% dos investimentos financiados com capital de terceiros. Isto significa que estes empreendimentos se comprometem com um fluxo de pagamentos pré-fixado para pagamento das dívidas.
Ao mesmo tempo, o fluxo de receitas destes empreendimentos também tende a ser muito rígido:
- no elo da geração de eletricidade, grande parte da energia é comercializada por contratos (CCEARS – Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado) resultantes dos Leilões de Energia para atender aos consumidores servidos pelas concessionarias de distribuição, com prazos de 20 a 30 anos e preços atualizados anualmente pelo índice de inflação (IPCA);
- na transmissão, as receitas são estabelecidas em contratos de concessão que preveem uma Receita Anual Permitida (RAP) pelo prazo de 30 anos e atualização anual pelo IPCA; e
- no caso da distribuição, a rigidez de receitas também prevalece, uma vez que suas tarifas são reguladas pela Aneel.
Logo, tanto o fluxo de receitas quanto o fluxo de pagamentos do financiamento das empresas de energia tendem a ser muito rígidos.
Somam-se às limitações acima as pequenas margens destes empreendimentos em função: (i) da intensa concorrência nas licitações de geração e transmissão; e (ii) da rigorosa regulação tarifária imposta pela Aneel sobre as distribuidoras, o que lhes proporciona pouca ou nenhuma margem para absorver alterações nas condições consideradas inicialmente.
Como as empresas do setor elétrico não dispõem de liberdade para ajustar seus preços em função de mudanças de custos, todos os elos da cadeia de valor do setor elétrico brasileiro tornam-se especialmente suscetíveis a mudanças tributárias.
Portanto, se houver uma reforma da tributação de renda sobre as empresas do setor elétrico, é necessário prever meios para preservar o equilíbrio econômico-financeiro pactuado nos contratos de longo prazo com base na premissa de tributação anterior.
Estas e outras análises são detalhadas na Nota Técnica “Reforma da Tributação e o Setor Elétrico” (disponível em www.acendebrasil.com.br/estudos), cujo objetivo é oferecer uma contribuição para os formuladores de políticas públicas – especialmente para o Ministério da Fazenda e Ministério de Minas e Energia – sobre os impactos desta reforma sobre o setor elétrico.
Claudio Sales, Richard Hochstetler e Eduardo Müller Monteiro são do Instituto Acende Brasil e escrevem na Brasil Energia a cada dois meses.