
Considerada a maior operação contra o crime organizado da história do país, a Operação Carbono Oculto mira 350 pessoas e empresas em São Paulo, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina
Operação da Receita mira máfia de combustíveis em oito estados
Considerada a maior ação contra o crime organizado da história do país, a Operação Carbono Oculto mira 350 pessoas e empresas em SP, ES, GO, MS, MT, PR, RJ e SC; ICL e outras entidades manifestam apoio

A Receita Federal e órgãos parceiros deflagraram, nesta quinta-feira, a “Operação Carbono Oculto”, com o objetivo de desmantelar esquema de fraudes e de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis. Ação é considerada a maior do gênero na história e mira o crime organizado - leia-se PCC.
Estão sendo cumpridos mandados de busca e apreensão em cerca de 350 alvos - pessoas físicas e jurídicas - localizados em oito estados: São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio de Janeiro e Santa Catarina (acesse a lista de cidades aqui). Na mira, estão vários elos da cadeia de combustíveis controlados pelo crime organizado, desde a importação, produção, distribuição e comercialização ao consumidor final até os elos finais de ocultação e blindagem do patrimônio, via fintechs e fundos de investimentos.
As investigações apontam que o esquema engendrado pela organização criminosa, ao mesmo tempo que lavava o dinheiro proveniente do crime, obtinha elevados lucros na cadeia produtiva de combustíveis. O uso de centenas de empresas operacionais na fraude permitia dissimular os recursos. A sonegação fiscal e a adulteração de produtos aumentavam os lucros e prejudicavam os consumidores e a sociedade.
Operações financeiras realizadas por meio de instituições de pagamento (fintechs), em vez de bancos tradicionais, dificultavam o rastreamento dos valores transacionados. O lucro auferido e os recursos lavados do crime eram blindados em fundos de investimentos com diversas camadas de ocultação de forma a tentar impedir a identificação dos reais beneficiários. Veja o esquema:
Participam da operação cerca de 350 servidores da Receita Federal, além de servidores do Ministério Público de São Paulo (MPSP), por intermédio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco); Ministério Público Federal, por meio do Gaeco; Polícia Federal; Polícias Civil e Militar; Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz/SP); Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); e Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE/SP).
Fraudes
Importadoras atuavam como interpostas pessoas, adquirindo no exterior nafta, hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas à organização criminosa. Somente entre 2020 e 2024, foram importados mais de R$ 10 bilhões em combustíveis pelos investigados.
Por sua vez, formuladoras e distribuidoras, além de postos de combustíveis também vinculados à organização, sonegavam reiteradamente tributos em suas operações de venda. A Receita Federal já constituiu créditos tributários federais de um total de mais de R$ 8,67 bilhões em pessoas e empresas integrantes do esquema.
Outra fraude detectada envolvia a adulteração de combustíveis. O metanol, importado supostamente para outros fins, era desviado para uso na fabricação de gasolina adulterada, com sérios prejuízos para os consumidores.
Lavagem de dinheiro
As formuladoras, as distribuidoras e os postos de combustíveis também eram usados para lavar dinheiro de origem ilícita. Há indícios de que as lojas de conveniência e as administradoras desses postos, além de padarias, também participavam do esquema.
Auditores-fiscais da Receita Federal identificaram irregularidades em mais de 1.000 postos de combustíveis distribuídos em 10 estados (SP, BA, GO, PR, RS, MG, MA, PI, RJ e TO). A maioria desses postos tinha o papel de receber dinheiro em espécie ou via maquininhas de cartão e transitar recursos do crime para a organização criminosa por meio de suas contas bancárias no esquema de lavagem de dinheiro.
Entre 2020 e 2024, a movimentação financeira desses postos foi de R$ 52 bilhões, com recolhimento de tributos muito baixo e incompatível com suas atividades. Os postos já foram autuados pela Receita Federal em mais de R$ 891 milhões.
No entanto, cerca de 140 postos eram usados de outra forma. Eles não tiveram qualquer movimentação entre 2020 e 2024, mas, mesmo assim, foram destinatários de mais de R$ 2 bilhões em notas fiscais de combustíveis. Possivelmente, essas aquisições simuladas serviram para ocultar o trânsito de valores ilícitos depositados nas distribuidoras vinculadas à organização criminosa.
Ocultação
Os valores eram inseridos no sistema financeiro por meio de fintechs, empresas que utilizam tecnologia para oferecer serviços financeiros digitais. A Receita Federal identificou que uma fintech de pagamento atuava como “banco paralelo” da organização criminosa, tendo movimentado mais de R$ 46 bilhões de 2020 a 2024. As mesmas pessoas controlavam outras instituições de pagamento menores, usadas para criar uma dupla camada de ocultação.
A fintech também recebia diretamente valores em espécie. Entre 2022 e 2023, foram efetuados mais de 10,9 mil depósitos em espécie, totalizando mais de R$ 61 milhões. Este é um procedimento completamente estranho à natureza de uma instituição de pagamento, que opera apenas dinheiro escritural.
A utilização de fintechs pelo crime organizado objetiva aproveitar brechas na regulação desse tipo de instituição. Essas brechas impedem o rastreamento do fluxo dos recursos e a identificação, pelos órgãos de controle e de fiscalização, dos valores movimentados por cada um dos clientes da fintech de forma isolada.
Blindagem
O dinheiro de origem ilícita era reinvestido em negócios, propriedades e outros investimentos através de fundos de investimentos que recebiam recursos da fintech, dificultando sua rastreabilidade e dando a ele uma aparência de legalidade.
A Receita Federal já identificou ao menos 40 fundos de investimentos (multimercado e imobiliários), com patrimônio de R$ 30 bilhões, controlados pela organização criminosa. Em sua maioria, são fundos fechados com um único cotista, geralmente outro fundo de investimento, criando camadas de ocultação.
Entre os bens adquiridos por esses fundos estão um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool (mais duas usinas em parceria ou em processo de aquisição), 1.600 caminhões para transporte de combustíveis e mais de 100 imóveis, dentre os quais seis fazendas no interior do estado de São Paulo, avaliadas em R$ 31 milhões, e uma residência em Trancoso/BA, adquirida por R$ 13 milhões.
Os indícios apontam que esses fundos são utilizados como um mercado de ocultação e blindagem patrimonial e sugerem que as administradoras dos fundos estavam cientes e contribuíram para o esquema, inclusive não cumprindo obrigações com a Receita Federal, de forma que sua movimentação e a de seus cotistas fossem ocultadas da fiscalização.
Manifestações de apoio
Diversas entidadades do setor manifestaram apoio às operações em andamento, parabenizando as entidades envolvidas.
O Instituto Combustível Legal (ICL) declarou que, além de lavar dinheiro ilícito e afetar diretamente a segurança pública, a atuação do crime no setor impacta diretamente a arrecadação de impostos e as políticas públicas, a concorrência entre os bons operadores do setor e o dia a dia dos milhões de motoristas que compram combustível diariamente.
“Acreditamos que esta operação pode ser um marco em nossa sociedade para deixar claro, através de ações, que o Brasil não está disposto a tolerar práticas ilícitas. Reforçamos também a urgência na aprovação de leis que punam, de forma exemplar, devedores contumazes e quem mais buscar brechas para atuar de forma ilegal”, diz o presidente do Instituto, Emerson Kapaz. Por fim, o ICL destaca que a ação ainda reforça a importância dos setores público e privado atuarem juntos, e de forma colaborativa, na identificação e combate a práticas irregulares.
Em outra nota, a Bioenergia Brasil, o próprio ICL, o Sindcom e a Unica reiteraram apoio irrestrito às autoridades responsáveis pela Operação Carbono Oculto.
"O combate às práticas ilícitas é fundamental para proteger consumidores, garantir a arrecadação de tributos, fortalecer a confiança dos investidores e assegurar um ambiente de negócios transparente, que valorize empresas idôneas e inovadoras. Justamente por isso, a operação, que dá continuidade a outras medidas já executadas pelo governo paulista - como a responsabilidade solidária dos postos de combustíveis - garante a ordem e a segurança necessárias aos cidadãos de bem", apontam.
Já para o IBP, além da repressão, é imperativo avançar na agenda legislativa para consolidar e aplicar instrumentos que criem barreiras permanentes contra o mercado irregular. A entidade considera prioritária a aprovação dos seguintes temas:
- Devedor Contumaz: Estabelece normas gerais para identificar e controlar os devedores que reiteradamente deixam de cumprir suas obrigações tributárias.
- Compartilhamento de Notas Fiscais: Autoriza a ANP a acessar dados da Receita Federal, permitindo o cruzamento de informações para um combate mais efetivo à sonegação.
- Roubo e furto de combustíveis: Propõe a tipificação específica desses crimes, uma vez que a legislação atual não prevê ações como o furto direto de dutos (derivações clandestinas) e a receptação dos produtos, prática que alimenta cadeias clandestinas, gera riscos ambientais e de segurança e causa prejuízos anuais de bilhões de reais ao setor.
Já a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) enfatizou que a atuação conjunta dos órgãos envolvidos na Operação Carbono Oculto assegura a livre concorrência, protege o consumidor e preserva a arrecadação tributária.
"Celebramos este momento como um novo capítulo na história do país, em que reafirmamos a confiança nas instituições para enfrentar de forma efetiva aquilo que corrói o ambiente de negócios. Somente com firmeza no enfrentamento às fraudes será possível promover um ambiente competitivo saudável, proteger a sociedade e fomentar o desenvolvimento do Brasil", informou a federação, em posicionamento.
Lula: Estado deu resposta histórica ao crime
O presidente Lula afirmou que o país assistiu à maior resposta do Estado brasileiro ao crimeorganizado com as três operações deflagradas simultaneamente, nesta quinta-feira (28), nos setores financeiro e de combustíveis. “Nosso compromisso é proteger cidadãos e consumidores: cortar o fluxo de dinheiro ilícito, recuperar recursos para os cofres públicos e garantir um mercado de combustíveis justo e transparente, com qualidade e concorrência leal”, registrou Lula em rede social.
Nota da Redação: matéria atualizada às 16h.
Veja outras notícias sobre combustíveis
