Opinião

Comercialização de créditos de energia e a regulação da Aneel

É fundamental que todas as práticas comerciais no setor sejam revistas para assegurar que não contrariem os objetivos da legislação. Confira o artigo de nosso colunista Thiago Bao Ribeiro.

Por Thiago Bao Ribeiro

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) questionou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre a potencial comercialização ilegal de créditos de energia elétrica no contexto da micro e minigeração distribuída (MMGD).

Essa acusação, enquadrada pela Representação TC 005.710/2024-3, aponta para possíveis subsídios indevidos e aumento das tarifas, contrariando o princípio de consumo próprio estabelecido pela Lei 14.300, de 6 de janeiro de 2022, que é a geração de energia elétrica para uso próprio, e não para venda.

O papel fiscalizador do TCU

O TCU, órgão de fiscalização independente e autônomo, não se vincula a nenhum dos poderes governamentais, como estipulado pela Constituição Federal de 1988. Suas competências incluem o controle das contas públicas, visando a transparência e eficácia na gestão dos recursos federais.

No cenário atual, a Aneel, embora possua autonomia regulatória, não está isenta da supervisão do TCU, especialmente quando se trata de práticas que podem afetar a estrutura tarifária nacional.

Modelos de negócios em questão

O TCU levanta suspeitas sobre arranjos empresariais, particularmente os modelos de negócio conhecidos como "energia por assinatura". Esses modelos permitem que consumidores paguem uma taxa fixa mensal por uma quantidade predeterminada de energia, desvinculada do consumo real, o que pode encorajar eficiência energética, mas também levantar questões legais sobre sua implementação.

A energia por assinatura tem tido muita aceitação entre os consumidores como uma forma para aumentar a previsibilidade dos custos com energia e fomentar a eficiência no uso de recursos energéticos. Ela tornou-se tão popular que hoje tem sido ofertada pelas comercializadoras de varejo para clientes que podem migrar para o mercado livre.

Embora a energia por assinatura e os formatos de geração compartilhada estejam previstos na Lei 14.300/22, o TCU enfatiza que a venda direta de energia elétrica ou de créditos gerados no contexto da MMGD para consumidores cativos é proibida. Esse cenário requer uma análise criteriosa de cada contrato estabelecido para garantir a conformidade com as regulamentações vigentes.

A Lei 14.300/22 e a Resolução Normativa 1000 proíbem de forma explícita o aluguel ou arrendamento de terrenos, lotes e imóveis em situações onde o preço seja estipulado em reais por unidade de energia elétrica produzida. Mas o que significa, de fato, a venda de energia? Basicamente, refere-se a transações comerciais que são compensadas financeiramente em R$/kWh.

O TCU também apontou indícios de irregularidades nos modelos de negócios que oferecem descontos nas contas de energia de consumidores cativos. Neste caso, o TCU apresentou uma relação de empresas de geração compartilhada que praticam essa modalidade de desconto, aduzindo que essas ofertas se assemelham à comercialização de energia elétrica.

Resposta da Aneel ao TCU

Em resposta à solicitação do TCU, a Aneel esclareceu através do Ofício nº 20/2024-AIN/Aneel, de 18 de abril de 2024, que a geração distribuída não comercializa créditos de energia. A agência ressaltou que, no contexto atual, a relação entre consumidores geradores e distribuidoras constitui um mútuo de energia, não configurando uma comercialização.

Segundo a Aneel, desde 2015, a agência tem trabalhado para aprimorar as normas regulatórias e coibir práticas irregulares. A Lei 14.300/2022, ao legitimar formas associativas para geração compartilhada, introduziu complexidades adicionais que demandam uma regulamentação cuidadosa para prevenir desvios das finalidades originais de consumo próprio.

Além disso, a agência apontou que a responsabilidade pela conformidade operacional de cooperativas, consórcios e associações pertence a outras entidades, como o Ministério Público Federal, estabelecido pela Lei Complementar nº 75/1993. A agência reiterou que não tem autoridade regulatória sobre as operações internas dessas organizações.

A Aneel esclareceu que a promoção isolada não equivale à comercialização de energia. Contudo, é essencial que os contratos firmados estejam alinhados com a legislação atual, em particular a Lei 14.300/2022. Outros órgãos, como o Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária e o Procon, têm a prerrogativa de intervir em casos de publicidade enganosa, seguindo o Código de Defesa do Consumidor.

A agência enfatizou que é responsabilidade das distribuidoras supervisionar e garantir que os consumidores estejam corretamente registrados no Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE). Embora a legislação atual permita explicitamente a criação de consórcios e associações para a geração compartilhada de energia, isso pode dificultar as ações de fiscalização.

A respeito do conflito de interesse dos concessionários de distribuição, a Aneel admitiu que os modelos de negócio inovadores no setor elétrico representam um desafio para a regulação e fiscalização adequadas. Por isso, há uma necessidade urgente de normas claras que definam explicitamente as práticas aceitáveis e inaceitáveis, a fim de garantir uma distribuição eficiente dos recursos e das responsabilidades.

Avaliação das propostas e compromissos futuros

A Aneel está revendo seus regulamentos e se comprometeu a implementar um plano de fiscalização em 90 dias para investigar recebimentos indevidos de benefícios e determinar a necessidade de atualizações regulatórias. Esse esforço visa garantir que todos os modelos de negócio estejam em conformidade com as leis aplicáveis e proteger os interesses dos consumidores.

A energia por assinatura, se implementada de acordo com as normativas vigentes, pode ser uma abordagem válida e eficaz para a geração de energia. No entanto, é fundamental que todas as práticas comerciais no setor elétrico sejam rigorosamente examinadas para assegurar que não contrariem os objetivos da legislação.

Se há dúvidas sobre a regularidade dos contratos de geração compartilhada, é essencial buscar orientação jurídica adequada para garantir a conformidade e segurança nas operações de energia renovável.

Outros Artigos