Opinião

Da especulação à regulação: A recente visão da Aneel sobre a transferência de orçamentos de conexão

A especulação em torno dos orçamentos de conexão pode, de fato, ter impactos negativos na expansão de novos projetos, prejudicando investidores realmente interessados em implantar os empreendimentos

Por Thiago Bao Ribeiro

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O setor de energia renovável no Brasil tem passado por uma série de transformações, e uma das áreas mais intrigantes é o mercado secundário de orçamentos de conexão. Este mercado, que surgiu como resultado direto do boom da geração distribuída, tem sido objeto de intenso escrutínio e debate, especialmente no que diz respeito à conformidade regulatória e legal.

O mercado secundário explicado

O mercado secundário de orçamentos de conexão, embora seja uma consequência direta do crescimento da geração distribuída, é repleto de desafios e complexidades. O art. 5º da Lei 14.300/2022, que proíbe a alteração do controle societário antes da solicitação de vistoria, foi estabelecido como uma medida para desencorajar a comercialização de orçamentos de conexão. Esta restrição significa que a concretização de qualquer negócio só pode ocorrer após a realização de todos os investimentos necessários para a construção da central geradora.

O Marco Legal da GD foi um marco significativo na regulação do setor de geração distribuída. Ele estabeleceu diretrizes claras sobre a transferência de orçamentos de conexão e controle societário. A lei proíbe explicitamente qualquer mudança na titularidade do parecer de acesso ou a transferência de controle societário até que a vistoria do ponto de conexão seja solicitada. Qualquer violação desta regra resultaria no cancelamento do parecer.

A especulação em torno dos orçamentos de conexão pode, de fato, ter impactos negativos na expansão de novos projetos, prejudicando investidores realmente interessados em implantar os empreendimentos.

Adicionalmente, a ação relatada acaba por prejudicar os investidores que, efetivamente, queiram se conectar. Como as solicitações ficam em uma “fila”, é necessário aguardar o prazo de caducidade dos pareceres de acesso já emitidos para dar a vez a investidores que efetivamente queiram se conectar. Aqui, foca-se naqueles interessados que não constroem, não produzem ou não prestam qualquer serviço, apenas buscam condições favoráveis para repassar essas condições a terceiros em troca de vantagem.

Isso é particularmente preocupante quando consideramos a situação atual das subestações, que estão enfrentando uma falta crítica de investimentos, levando ao esgotamento das redes disponíveis para Geração Distribuída. Além disso, o setor também enfrenta o desafio da inversão de fluxo de potência, um tópico que discutimos em detalhes em um artigo anterior.

No entanto, a Aneel, através da Nota Técnica 041/2022, reconheceu que essa restrição, por si só, não é suficiente para eliminar completamente a prática. A Agência, portanto, buscou estabelecer condições adicionais no regulamento para fortalecer o desincentivo à comercialização de orçamentos de conexão. Isso inclui a orientação da SRD em 2019, que visava a mesma finalidade.

Inovações e soluções do mercado

Em resposta às restrições impostas pelo Marco Legal da GD, o mercado encontrou maneiras inovadoras de operar. Utilizando alternativas societárias e contratuais, surgiram soluções criativas que respeitam as limitações da nova lei. Uma dessas soluções é a aquisição minoritária de quotas ou ações das sociedades que detêm o parecer, criadas pelos desenvolvedores. Esta abordagem permite a entrada de investidores sem transferir o controle societário.

Além disso, foram estabelecidos acordos de sócios entre o desenvolvedor e os investidores. Outra estratégia envolve a celebração de contratos de cessão de direitos associados ao parecer, condicionados, seja total ou parcialmente, à solicitação da vistoria das obras de conexão.

A posição atual da Aneel

A Aneel, ao longo dos anos, tem se adaptado e respondido às complexidades do mercado secundário de orçamentos de conexão.

A título ilustrativo da abordagem pragmática da Aneel, trazemos um caso concreto atendido na consultoria do Bao Ribeiro Advogados, de um empreendedor que buscou orientação após alterar a composição societária de uma de suas SPEs. O empreendedor, preocupado com a possibilidade de ter seu parecer de acesso cancelado devido à mudança societária, buscou a consultoria para obter clareza da Aneel. Assim, foi protocolada na Agência uma consulta requerendo esclarecimentos regulatório se o retorno da composição de controle original da SPE conduz à aplicação art. 5º da Lei 14/300/2022.

A resposta da Aneel foi esclarecedora: após a assinatura do CUSD, a troca de parecer de acesso torna-se irrelevante, pois o CUSD substitui sua validade. Esta posição da agência reforça a ideia de que, uma vez que os contratos formais estão em vigor, as obrigações assumidas pelas partes são vinculativas e protegidas, independentemente das mudanças societárias.

Conclusão

O mercado secundário de orçamentos de conexão é complexo e em constante evolução. Para aqueles que operam neste mercado, é essencial estar ciente das regulamentações e garantir a conformidade.

E, sobretudo, é aconselhável buscar aconselhamento especializado para garantir que suas operações estejam em conformidade com a legislação vigente, evitando um dano maior que é o cancelamento de acesso à rede e refaturamento da energia compartilhada, conforme previsto hoje no regulamento vigente.

Thiago Bao Ribeiro é advogado e sócio do escritório Bao Ribeiro Advogados, com foco em estruturação jurídica de projetos de geração de energia renovável

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