Opinião

O carro a etanol é a opção mais simples e econômica

O motor 100% a etanol tem autonomia equivalente ao da gasolina e reduz em 43% o custo combustível do usuário. Carros da Fórmula Indy têm desempenho comparável ao da gasolina e o Brasil já domina essa tecnologia

Por Jayme Buarque de Hollanda

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O governo estuda elevar para 30% a proporção de etanol anidro misturado à gasolina como medida para reduzir as emissões de carbono. Mas será essa a melhor alternativa?

A meu ver, não. Retomar a produção e o uso de veículos movidos exclusivamente a etanol seria, de longe, a forma mais econômica, simples e eficaz de descarbonizar o setor de transportes no Brasil.

Para contextualizar: em 1979, no auge do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), a Fiat lançou o "cachacinha", primeiro carro de passeio movido exclusivamente a etanol. A iniciativa fazia parte de uma estratégia governamental para reduzir a dependência da gasolina, promovendo o etanol como combustível viável, com uma rede nacional de abastecimento.

Os motores a etanol da época eram praticamente idênticos aos motores a gasolina (ciclo Otto), e os preços dos veículos eram equivalentes, independentemente do combustível. O programa foi um sucesso: em apenas uma década, mais de 5 milhões de carros a etanol foram vendidos, atingindo, em alguns anos, a mais de 90% do mercado. A produção começou a ser descontinuada nos anos 1990, com a queda do preço do petróleo.

Com a alta nos preços do petróleo no final dos anos 1990, surgiram os veículos “flex”, capazes de rodar com gasolina, etanol ou qualquer mistura dos dois. Porém, esses motores não são otimizados para o etanol. Quando abastecidos com esse combustível, sua autonomia é cerca de 70% da obtida com gasolina. Já os modelos a etanol puro, desenvolvidos na época do Proálcool, alcançavam até 85% da autonomia da gasolina — ou seja, eram bem mais eficientes.

Avanços tecnológicos, como a injeção direta, o controle eletrônico de motor e os turbocompressores, aumentaram ainda mais a eficiência dos motores a etanol. Carros de corrida da Fórmula Indy (EUA), por exemplo, utilizam etanol com desempenho comparável ao da gasolina. Em 2019, a Fiat anunciou o motor a etanol E4, que proporcionaria autonomia igual à de um flex equivalente, um projeto promissor, postergado por conta da pandemia e mudanças na gestão da montadora.

Atualmente, cerca de 12 milhões de veículos no Brasil são abastecidos regularmente com etanol, sobretudo em regiões onde o combustível é mais competitivo. Para centenas de milhares de motoristas de aplicativos, por exemplo, um a etanol, com autonomia equivalente à gasolina, significaria uma redução substancial nos custos operacionais. Um salto de autonomia de 70% para 100% representa uma economia de 43% no consumo de combustível.

A adição de etanol anidro à gasolina é uma estratégia eficaz para aumentar a octanagem e reduzir emissões locais. Nos Estados Unidos, essa mistura é de 10%; na Índia, 20%. No Brasil onde serve, também, para aumentar a demanda por etanol, já atingiu 27,5% e pode chegar a 35%, segundo a Lei do Combustível do Futuro.

Mas é preciso refletir: qual é o melhor destino para um litro de etanol hidratado?

a) Desidratá-lo para transformá-lo em etanol anidro e misturá-lo à gasolina?
Esse processo consome energia significativa e, além disso, altas proporções de etanol anidro reduzem a eficiência dos motores projetados para usar gasolina. Por isso, carros de alta performance, usam a gasolina “premium” onde essa mistura é limitada a 25%.

b) Usá-lo diretamente em veículos otimizados para etanol hidratado?
Essa é a alternativa mais eficiente e ambientalmente vantajosa. O uso direto do etanol evita o processo de desidratação, garante maior rendimento e, com o aumento da demanda por etanol hidratado, pode-se até reduzir a necessidade de etanol anidro na gasolina, otimizando a cadeia como um todo.

Conclusão. A retomada da produção de veículos projetados especificamente para o etanol é uma estratégia muito mais eficaz de redução de emissões do que simplesmente ampliar a mistura do biocombustível na gasolina. É uma solução tecnicamente viável, apoiada em conhecimento e tradição nacionais, com benefícios diretos para consumidores, para o setor sucroalcooleiro e para o meio ambiente.

Além disso, permite à indústria desenvolver um veículo mecânico de baixo custo, perfeitamente adequado ao mercado brasileiro, enquanto o setor de etanol se expande de forma sustentável, sem depender de alterações legais.

O Brasil tem o conhecimento, a infraestrutura e a demanda. A hora de retomar esse caminho é agora.

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Jayme Buarque de Hollanda é presidente do Conselho do Instituto Nacional de Eficiência Energética

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