Opinião

Parte II - O potencial da Margem Equatorial e o Brasil como potência ambiental

Alguns podem me indagar sobre qual tipo de riqueza devemos ou não explorar. A meu ver, o aproveitamento das riquezas não é excludente. A exploração petrolífera e a economia verde, afinal, podem caminhar juntas no processo de transição energética

Por João Clark

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* O artigo é a continuação de "Margem Equatorial, perfurar ou não perfurar? Eis a questão?", publicado em 19/6

A partir da década de 1970, a Petrobras iniciou a perfuração de poços exploratórios nas bacias sedimentares offshore brasileiras. Desde então, a companhia desenvolveu uma capacidade técnica de exploração marinha devidamente reconhecida como uma das mais eficientes do mundo em águas profundas e ultraprofundas.

Diante do grande avanço na tecnologia e na segurança das operações, a petroleira não registrou nenhum acidente ambiental de proporções significativas nos últimos 50 anos. Partindo-se dessa premissa, portanto, entende-se que, hoje em dia, o risco de acidente na perfuração exploratória na Margem Equatorial é muito baixo.

Afora isso, tornou-se “lugar comum” afirmar que as bacias daquela região acumulam reservas de petróleo e gás tão grandes ou até maiores do que as do pré-sal. Até que se prove o contrário, contudo, não há reservas de hidrocarbonetos nas bacias da Foz do Amazonas, Pará-Maranhão e Barreirinhas. Até o momento, o que há são apenas recursos prospectivos com potencial de serem convertidos em reservas caso as campanhas de perfuração comprovem a existência de volumes comercialmente viáveis de petróleo e gás.

Diante do exposto até aqui, sou favorável a que se perfurem os poços exploratórios para que o nosso país possa verificar se, de fato, há reservas petrolíferas na região. Se descobertas importantes forem realmente confirmadas, cabe a sociedade discutir (e decidir) se pretende desenvolvê-las. Caso a resposta seja positiva, o próximo passo é decidir como fazer e, se o fizer, todas as medidas necessárias para mitigar os riscos ao meio ambiente e às comunidades locais próximas à costa devem ser adotadas.

Alguns podem me indagar sobre qual tipo de riqueza devemos ou não explorar. A meu ver, devemos explorar todas as riquezas que possam trazer bem-estar para a população brasileira com o menor risco possível ao meio ambiente. O aproveitamento das riquezas, afinal, não é excludente.

Defendo veementemente o desenvolvimento da economia verde para nos tornarmos uma potência ambiental e líder mundial em descarbonização, bem como a utilização de ativos da nossa biodiversidade para as indústrias farmacêutica, química, alimentar, artesanal e de energias renováveis. Nada disso impede, porém, que também se crie renda e emprego com a exploração dos bens minerais e energéticos contidos no subsolo nacional.

Gostaria também de examinar essa questão do ponto de vista das mudanças climáticas e da transição energética. O Brasil já possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com participação de fontes renováveis bem acima da média mundial. Verdade seja dita, a contribuição brasileira para as emissões de gases de efeito estufa vem basicamente de desmatamento e uso do solo.

Outro aspecto fundamental é que a transição energética não ocorrerá de forma instantânea, como se fosse só virar uma chave comutadora. Trata-se de um processo gradual de substituição dos combustíveis fósseis. Estes ainda serão consumidos por mais algumas décadas até que as fontes renováveis ou neutras em carbono se tornem competitivas em termos de escala e preço.

Não podemos nos esquecer que, segundo a EPE, em 2020, o carvão mineral era responsável por 28% da matriz energética e 35% da matriz elétrica global. Esses percentuais não devem ter sofrido grande alteração nesses últimos três anos, principalmente após o conflito bélico na Europa.

Países de intenso consumo energético como China, Índia e EUA ainda têm o carvão mineral como importante fonte energética em suas matrizes. O petróleo e o gás natural podem substituir o carvão, o que já seria um avanço na transição energética.

Mas o que vejo como um importante fator a ser considerado é o conceito de justiça energética, ou seja, o custo da energia para os países pobres, que têm populações que ainda almejam ter acesso a mais energia para se desenvolver, em comparação com os países ricos, que já consumiram muito combustível fóssil para alcançar o seu atual estágio de bem-estar social.

Segundo relatório das Nações Unidas, publicado em 2022, mais de 730 milhões de pessoas no mundo não tinham acesso à energia elétrica. A previsão para 2030 é de que 8% da população mundial fará parte desse grupo.

A humanidade tem que garantir que essas pessoas tenham o direito de viver as comodidades do mundo moderno e de melhorar o seu padrão de vida com energia a baixo custo. Em contrapartida, os países mais ricos devem investir em energias renováveis mais caras, em pesquisa e inovação para baratear essas fontes, além de intensificar a descarbonização de suas matrizes.

Diante desses desafios, eu acredito que o Brasil tem que conhecer o potencial petrolífero da Margem Equatorial e, para isso, se faz necessária a perfuração de poços exploratórios. Em paralelo, sugiro que o governo brasileiro faça um esforço concentrado, unindo MME, MMA, IBAMA e outros órgãos pertinentes, para executar o programa de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para todas as bacias da Margem Equatorial, delimitando os diferentes riscos e classificando as áreas onde a exploração e a produção de óleo e gás sejam permitidas, com ou sem limitações ou estabelecendo as regiões onde essas atividades não poderão ser realizadas.

Desse modo, penso que as empresas petrolíferas não gastarão mais recursos em áreas onde se saberá que a licença ambiental será de difícil obtenção.

* João Clark é geólogo. Foi presidente da Ecopetrol no Brasil entre 2011 e 2019. Foi também country manager da Canacol Energy e da Paradigm Geophysical, superintendente adjunto da ANP, diretor executivo e membro do Conselho da ABEP/IBP e gerente de exploração da Norse Energy

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