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“Amazônia é grande oportunidade para o país”, diz diretora do BNDES

Para Luciana Costa, responsável pelas áreas de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática, BNDES e Petrobras podem se unir para transformar a exploração da Margem Equatorial num projeto de desenvolvimento socioeconômico

Por Fernanda Nunes

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Luciana Costa, Diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES (Divulgação BNDES)

O BNDES está disposto a se juntar ainda mais à Petrobras para ajudar a construir um projeto de desenvolvimento sustentável da Amazônia a partir da exploração e produção de óleo e gás da Margem Equatorial. Algumas soluções já estão postas, outras ainda podem surgir, como afirmou a diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do banco, Luciana Costa, em entrevista à Brasil Energia

Ela diz que a Petrobras pode fazer aportes no Fundo Amazônia, enquanto a equipe social do banco cuida do planejamento da ocupação do território, como já faz em outros projetos na região. A parceria no programa Pró-Floresta entre o BNDES e a petrolífera para a restauração de áreas degradadas também poderá se expandir. 

“A Amazônia é um bode na sala porque quase 30 milhões de pessoas vivem na região e os seus índices sociais são os piores desse país. Preservar a Amazônia é fundamental. Mas o desenvolvimento da região passa pela geração de riqueza. A Amazônia é uma grande oportunidade para o país”, afirmou a diretora do BNDES. 

Além disso, o banco está disposto a liberar mais dinheiro para que embarcações contratadas pela estatal, diretamente ou via subsidiária Transpetro, sejam construídas no Brasil. Costa destaca que não falta dinheiro para ampliar o índice de conteúdo local no setor. 

Ao mesmo tempo, o banco se mantém atento às novas tecnologias de geração de energias renováveis que surgem e precisam do auxílio do banco para ganhar escala. Hidrogênio e fertilizante verdes, combustível sustentável de aviação, minerais críticos, biometano, soluções baseadas na natureza e restauração. “Isso para a gente é muito prioritário”, ressaltou ela, na seguinte entrevista.

É possível ter um setor de petróleo ambientalmente sustentável?

É importante a gente debater o papel do setor de óleo e gás na transição energética e qual é o futuro da energia. Como a gente garante que o futuro vai ser neutro em carbono, mas sem ameaças à segurança energética. Não vejo nenhuma incongruência. O setor de petróleo e gás é parte da equação da transição energética. Não tem como pensar em uma transição energética justa e segura sem o setor. Esse é um setor extremamente importante para a economia brasileira. A gente precisa escalar energia renovável, novas tecnologias que vão gradativamente substituindo os combustíveis fósseis, mas a gente não pode prescindir do petróleo e do gás no curto prazo. No BNDES, a gente entende o gás como um combustível de transição, porque deixa uma pegada de carbono menor do que o carvão, por exemplo. Além disso, as energias renováveis, solar e eólica, têm um componente de intermitência importante. A gente precisa de térmica a gás, de hidrelétrica com reservatório. É um mundo que precisa ser neutro em carbono. A gente precisa conter o aquecimento global, só que a equação de segurança energética é extremamente complexa para a gente simplesmente se basear no senso comum de que o óleo e gás são fósseis e a gente precisa parar de consumir esse tipo de combustível. A discussão da transição energética é multidisciplinar. Ela é econômica, setorial e ambiental. 

Como isso se reflete no banco? Existe alguma resistência ao petróleo?

Em todos os nossos empréstimos, fazemos uma análise do impacto social de cada projeto. Fazemos um due diligence socioambiental extremamente criterioso. Mas não temos nenhuma diretriz macro de, por exemplo, não financiar usinas térmicas a gás. A gente financia gás e petróleo desde que os projetos passem pelos nossos critérios de análise de impacto socioambiental. 

As análises se baseiam no licenciamento. As diretrizes são as mesmas?

Todos os projetos precisam ter todas as licenças. As diretrizes são analisar o impacto no território. O BNDES tem uma área super criteriosa que analisa os impactos, mas a gente não tem diretriz para não financiar o setor de petróleo e gás. Não existe isso. 

O BNDES acabou de assinar um acordo de descarbonização com a indústria naval. O que a gente pode esperar dele na prática?

Primeiro, vamos fazer um grande estudo de como vai ser a transição na indústria naval. 

Isso pode, de alguma forma, restringir o acesso ao capital para a indústria naval?

As exigências para o setor estão dadas. O setor tem obrigação de descarbonizar. Inclusive, é um guidance global da ONU, porque mais ou menos quatro por cento das emissões globais vêm do setor marítimo. Esse setor tem obrigações. O que o BNDES vai fazer junto com a Transpetro (subsidiária de logística da Petrobras) é um acordo de cooperação técnica para a elaboração de um estudo que vai ajudar o setor naval brasileiro na transição energética. O estudo vai olhar o tema da descarbonização e da transição energética como uma oportunidade, porque a indústria naval vai ter que ser reestruturada. As emissões do transporte marítimo têm aumentado e o IMO (International Maritime Organization) colocou metas de descarbonização para a indústria naval. Ela vai ter que adotar combustíveis alternativos para embarcações. 

Como o BNDES está envolvido no projeto da Petrobras para a Margem Equatorial? Você já falou que a Amazônia é um bode na sala para o Brasil, que ela precisa se desenvolver. Como se resolve esse dilema?

A Margem Equatorial é um projeto da Petrobras. A gente não está envolvido diretamente nesse projeto. Mas nós entendemos que é preciso continuar com os estudos para, no futuro, o que se prevê que tenha lá de petróleo possa ser explorado. A gente entende que a Petrobras é a maior empresa de offshore do mundo, tem muita tecnologia, não tem acidentes no currículo, o que é um selo de qualidade. Os estudos têm que acontecer o mais rapidamente possível. Caso se comprove a existência da quantidade de petróleo que se diz ter lá, a gente tem que explorar, sim. A Rystad (Energy) cita de 10 a 25 bilhões de barris de óleo equivalente. O petróleo do Brasil é menos intensivo no escopo 1 e 2. Não tem sentido os nossos vizinhos explorarem esse petróleo e a gente ter que importar óleo a partir da metade da próxima década, abrindo mão dessa riqueza. Tem que ser com o maior critério possível. A Petrobras tem que cumprir tudo que o Ibama colocar de condição, mas a exploração e produção desse petróleo, se existir, deve acontecer. A Amazônia é um bode na sala porque vivem quase 30 milhões de pessoas na região e os seus índices sociais  são os piores desse país. Preservar a Amazônia é fundamental. Mas o desenvolvimento da região passa pela geração de riqueza. A Amazônia é uma grande oportunidade para o país. 

O BNDES tem algum projeto de desenvolvimento da infraestrutura na região da Margem Equatorial e de uma cadeia local?

Tem várias formas de contribuição com a Petrobras. Uma coisa que a gente fez foi o programa Pró-Floresta, para desenvolver o setor de carbono com a Petrobras. A ideia é promover a restauração de até 50 mil hectares de terras degradadas da Amazônia. É uma parceria que pode se expandir. Além disso, uma vez que a Petrobras decida explorar a região, o BNDES pode sentar com a empresa. O BNDES tem muita experiência no desenvolvimento de territórios. A gente tem a área social que gere o Fundo Amazônia, por exemplo, e apoia projetos de comunidades locais. Se tiver tudo que se espera de petróleo, muito dinheiro, e a Petrobras fizer aportes grandes no Fundo Amazônia, o banco pode apoiar o desenvolvimento do território com um olhar social. Tem muito o que o BNDES fazer e a gente tem feito. O BNDES está muito próximo da Petrobras.

Algo pode ser feito especificamente para a cadeia fornecedora, como o financiamento para ela se instalar na Margem Equatorial?

Podemos pensar e discutir isso. Tem a questão das embarcações. O BNDES é o maior operador do Fundo da Marinha Mercante. A gente apoia a modernização da frota. Já tem muita coisa que a gente faz junto. 

Como transformar o investimento na Amazônia em desenvolvimento social? 

Essa é uma questão de política pública, de planejamento. E, aí sim, o BNDES e a Petrobras são muito fortes juntos. Na construção da hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, houve um problema de grande impacto no território. Mas, hoje, se não tivesse a usina, a região seria muito mais pobre. Hoje, a cidade de Altamira tem mais de 90% de cobertura de água e esgoto. O restante da Amazônia tem muito menos. O Acre tem 7%. Então, tem sim como fazer bem-feito. Vamos olhar os erros do passado, não repetir, e replicar os acertos. 

O mercado de crédito de carbono é uma parte da solução da equação?

Sim. O mercado de crédito de carbono é uma grande oportunidade para o país. Cinquenta por cento das nossas emissões vêm de desmatamento e grande parte do desmatamento está concentrado na Amazônia. Vinte e quatro por cento das emissões vêm do uso da terra, da agropecuária. Somente 18% vêm de energia. No resto do mundo, quase 80% das emissões vêm do setor energético e menos de 10% do desmatamento. Então, o Brasil tem um padrão de emissão diferente do resto do mundo. A gente controlar desmatamento e restaurar terra degradada em larga escala vai ser cada vez mais economicamente viável quanto mais o mercado de carbono se desenvolver. E a gente, obviamente, tem que continuar com os esforços de transição energética na indústria e no setor de energia. 

Ainda há espaço para investimento em hidrelétricas?

Hoje o Brasil não está discutindo isso. Eu, Luciana, considero que a gente tem um terço da água de todas as Américas. Acho que a gente deveria estar discutindo, sim, a construção de hidrelétricas. Até porque a hidrelétrica é renovável e, com reservatório, resolve o problema de intermitência de solar e eólica. Mas houve muito debate, muita polêmica na construção de Belo Monte. Esse é um debate importante a se fazer. Sem Belo Monte, a gente não poderia ter acrescentado tanta energia renovável na nossa matriz. Ela segura a produção no momento em que o sol se põe. Belo Monte é super importante para a sociedade. 

Como está o desembolso para a área de infraestrutura voltada para a transição energética?

Considerando tudo de infraestrutura, a média de aprovação na gestão passada era de R$ 40 bilhões por ano. Nós estamos aprovando R$ 80 bilhões. Então, a gente dobrou a aprovação. A gente tem financiado térmica. Não existe interdição de financiamento. E a gente continua crescendo. A taxa está em 15% (ao ano, a Selic). Esse é o grande debate para destravar mais investimento em infraestrutura. O Brasil está caminhando para conseguir reduzir a taxa de juros e, aí sim, vai destravar mais investimento ainda. 

Quais são as prioridades para desembolso?

O BNDES é o secretário da Plataforma de País. Lá, a gente tem mapeado US$ 22 bilhões de projetos estratégicos para a transição energética, que inclui hidrogênio verde, fertilizante verde, combustível sustentável de aviação, projetos de minerais críticos, biometano, soluções baseadas na natureza, restauração, as tecnologias do futuro que a gente tem que desenvolver, que são as novas indústrias. Isso para a gente é muito prioritário. 

O banco pode participar de uma política pública para aumentar o conteúdo local no setor de óleo e gás, sobretudo na indústria naval?

Para a gente financiar, tem que ter conteúdo local. A gente tem condições de financiar mais a indústria naval. Determinados tipos de embarcações podem ser feitas no Brasil com mais conteúdo local, financiamento do BNDES e serem economicamente atrativas. A gente está trabalhando nisso. Com o potencial que a gente tem com a Petrobras, a gente acha que alguma coisa vai ser feita no Brasil, sim. Essa é uma indústria que gera muito emprego. E vai ser feito aqui com eficiência econômica. 

A estratégia seria via Fundo de Marinha Mercante?

Pode ser com recurso próprio também. A gente pode fazer uma combinação com os dois tipos de funding. Tem dinheiro.

Assista também a entrevista da diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES, Luciana Costa, no canal do YouTube da Brasil Energia

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