Obstáculos e soluções do Gás de Vaca Muerta na rota para o Brasil

Revista Brasil Energia | Gás Natural

Obstáculos e soluções do gás de Vaca Muerta na rota para o Brasil

Após teste bem-sucedido com a importação de 100 mil m3 produzidos 50/50 por Pluspetrol e Petrobras, o diretor da Gás Bridge Comercializadora, Pablo Campana, fala sobre os próximos passos até a integração com maiores volumes e regularidade na oferta

Por Rosely Maximo

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Pablo Campana, diretor da Gas Bridge Comercializadora (Foto: Divulgação)

A Gás Bridge Comercializadora, subsidiária integral da Pluspetrol – uma das maiores petroleiras privadas da América Latina, com produção perto de 500 mil boe/dia e presença ativa na Argentina, Peru e Equador – deu mais um passo na estratégia de trazer o gás argentino de Vaca Muerta ao mercado brasileiro. Pablo Campana, Gerente de Negócios no Brasil responsável pela Gas Bridge Comercializadora, detalhou para a Brasil Energia o teste logístico-operacional e comercial de importação realizado em outubro, em parceria com a Petrobras e sua subsidiária na Argentina (POSA).

A operação, embora na modalidade interruptível, comprovou a viabilidade de utilizar a infraestrutura de gasodutos existentes (Argentina-Bolívia-Brasil), como uma das vias possíveis de integração entre os dois países, pavimentando o caminho para um suprimento de longo prazo, disse Campana.

Ele anota, contudo, que a consolidação do fornecimento firme depende ainda da superação de gargalos importantes, como investimentos na capacidade de transporte, a harmonização na regulação distintas dos três países e, certamente, tarifas competitivas em todo o trajeto para tornar a oferta atrativa no destino final.


Como comercializadora, quais os planos da Gas Bridge, depois de mais uma operação teste de importação de gás ao Brasil?

A Gás Bridge Comercializadora é uma subsidiária integral da Pluspetrol, adquirida em dezembro de 2023 com o objetivo principal de entrar no mercado brasileiro, conhecê-lo e, majoritariamente, servir de ponte para o gás da Pluspetrol na Argentina. Embora tenhamos realizado operações com gás brasileiro e boliviano para construir know-how, o foco principal é estruturar a logística e o comercial para trazer o gás de Vaca Muerta.

O teste mais recente, em outubro, envolveu gás da Pluspetrol e da Petrobras Argentina (POSA). Poderia dar detalhes dessa operação em termos de logística?

A operação foi estruturada com a Gás Bridge comprando o gás dos produtores, Pluspetrol e POSA, com entrega na fronteira Argentina-Bolívia. A Gás Bridge assumiu, então, a logística na Bolívia e entregou o gás já nacionalizado em Corumbá, no Brasil, à Petrobras. Esse teste confirmou a viabilidade técnica e comercial de conectar o gás de Neuquén ao Brasil via Bolívia, utilizando a capacidade ociosa atual. Desde então continuamos importando regularmente gás da Argentina para vários clientes no Brasil.

Um dos maiores desafios apontados nessas operações logísticas é a compatibilização dos três sistemas de transporte. O que foi mais complexo nesse processo?

O gás transportado por dutos exige nominação e confirmação de volume, na véspera do despacho, e essa coordenação é um grande desafio quando envolve os três países. Temos três marcos regulatórios com dias operacionais diferentes. Argentina e Bolívia têm dias que começam em horários distintos e no Brasil o dia operacional começa à meia-noite. Além disso, os horários de fechamento para nomeação e confirmação de transporte não coincidem. Quando recebemos a confirmação do transportador argentino, já é tarde para a nomeação na Bolívia e no Brasil. No curto prazo, as empresas se acomodam a essas diferenças, mas para um suprimento firme de longo prazo, será necessária uma harmonização parcial dos modelos regulatórios e operacionais entre os governos.

O teste foi feito sob a modalidade interruptível. O que é preciso ainda fazer na direção de contratos firmes de longo prazo?

A migração para contratos firmes depende de duas questões centrais. Primeiro, capacidade de transporte firme. Isso exige investimentos de expansão na Argentina, tanto nos gasodutos existentes como em novos gasodutos, e precisa ser justificado pela demanda. Segundo, a possibilidade de ter contratos de transporte e venda de gás firmes de longo prazo que permitam financiar as obras de expansão de gasodutos. Contratos firmes exigem garantias de fornecimento e escoamento e isso está diretamente ligado à garantia de capacidade física.

O Plano Gás.Ar estabelece um preço mínimo para a exportação do gás argentino. Por que esse preço mínimo é um gargalo para a competitividade do gás de Vaca Muerta no Brasil?

É um gargalo porque a regulação argentina estabelece que os produtores não podem vender a um preço da molécula inferior a esse piso, atualmente na faixa de 5,5% a 6,5% do Brent, dependendo se o contrato é firme ou interruptível. Isso é uma limitação que distorce o sinal natural do mercado. Pode haver momentos em que o produtor estaria disposto a vender a um preço menor, pois seu custo de oportunidade e seu break even são mais baixos, mas a regulação impede. Temos que conviver com essa limitação até dezembro de 2028, que é o prazo final anunciado pela Secretaria de Energia da Argentina. A boa notícia é que, além do preço mínimo reduzir a partir de janeiro de 2026, teremos uma janela para solicitar exportação de gás firme de Argentina, conforme permissão recente da Secretaria de Energia. As permissões são mês a mês, então as quantidades trocam a cada mês, mas para outubro deste ano a quantidade é de pouco mais de 1 milhão de m3 e, para novembro, 2 milhões.

Já é possível estimar, com base nas importações teste realizadas, qual a tarifa competitiva para um suprimento firme e de longo prazo ao Brasil?

O preço final é confidencial e dinâmico, muda dependendo das condições de mercado, mas o objetivo é que o gás de Vaca Muerta seja competitivo com o GNL e outras fontes no Brasil. Em um cenário de longo prazo, com volumes que otimizam o aproveitamento da capacidade de transporte e investimento em nova infraestrutura com fator de escala (que diminuiria os custos unitários de transporte), o gás por duto é, em geral, mais competitivo que o GNL para o fornecimento de base (industrial, residencial, GNV). No entanto, o custo de transporte é um desafio. As tarifas atuais na Bolívia e no Brasil são elevadas. Para que o projeto seja sustentável, deve haver uma racionalidade entre todos os players - produtores, transportadores e governos (em relação a impostos e tarifas de exportação) - para que o custo final seja atrativo.

A Pluspetrol opera campos importantes em Vaca Muerta, como La Calera, que produz líquidos além de gás natural, ao contrário de outros reservatórios na mesma província que produz apenas gás. Isso permite um preço na boca do poço mais competitivo. A estratégia da empresa é mirar nesse campo para a exportação de gás?

La Calera é um dos nossos campos mais competitivos em Vaca Muerta, mas temos outros campos, entre os quais se destaca Bajo del Choique-La Invernada, que é um campo de petróleo que tem potencial significativo para produção de gás natural associado. Isso faz nosso break even ser muito baixo e essa combinação nos permite ter um suprimento de gás competitivo, confiavel e flexível, que é o ideal para planejar e sustentar projetos de exportação de longo prazo para o Brasil.

A Argentina ainda não é autossuficiente na produção de gás para seu consumo, ao longo de todo o ano. Normalmente importa no período do inverno, de maior demanda. Mas a produção em Vaca Muerta está escalando rapidamente. Quando, na visão da Pluspetrol, a Argentina terá de fato um excedente de gás que justifique contratos firmes e se torne uma grande exportadora?

A Argentina já exporta gás firme para o Chile, mesmo importando no inverno. Exportar não significa ter importação zero. De qualquer forma, a importação de GNL na Argentina será bastante reduzida com a conclusão de projetos de infraestrutura na Argentina, como a ampliação da capacidade do gasoduto Perito Moreno, e a reversão e expansão do Gasoduto do Norte. Nossa projeção é que o modelo de fornecimento firme e em volumes significativos para o Brasil, com a infraestrutura necessária, poderia ser consolidada a partir do final de 2028 ou 2029.

É possível solucionar todos esses gargalos em quatro anos?

Tudo isso é um típico projeto de negociação e de múltiplas partes, mas eu vejo racionalidade e boa disposição no mercado. Por exemplo, a Pluspetrol liderou o desenvolvimento de Camisea, no Peru. Quando o Consórcio Camisea, liderado pela Pluspetrol, licitou o projeto no ano 2000, não havia dutos, distribuidoras nem consumo de gás. Em apenas quatro anos (2004), os poços foram perfurados, uma planta isolada foi construída no meio da selva e outra na costa, e também dois dutos (gás e líquidos) que atravessaram a selva e a Cordilheira dos Andes para chegar à costa, abastecendo o mercado peruano, inclusive o térmico. Essa experiência demonstra que projetos complexos, que exigem coordenação entre produtores, transportadores, demanda e governos, podem ser executados em tempo recorde quando há o alinhamento de todos os atores.

 

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