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Blended finance pode reforçar avanço do Brasil como potência verde

Modelo de financiamento atrai capital privado, intermediado por bancos, e viabilizaria tecnologias menos maduras como H2 verde

Por Nelson Valencio

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Mina da Vale em Itabira (MG): projetos como o megahub de ferro-esponja para produção de aço com hidrogênio verde, em parceria com a Green Energy Park, pode se beneficiar do blended finance (Foto: Janaina Duarte/Divulgação Vale)

A transformação do Brasil em potência verde global pode gerar até US$ 100 bilhões adicionais ao PIB até 2030, segundo estudo da consultoria McKinsey, publicado em outubro do ano passado. Em seis pontos de recomendações finais, o relatório destaca o desafio de bancar a transição energética e indica a necessidade de uma estratégia de financiamento que aproveite as alternativas sustentáveis.

No escopo da McKinsey estão opções como fundos climáticos, debêntures incentivadas, acordos de offtake (contratos de longo prazo com garantia para comprador e vendedor) e títulos verdes. Também faz parte da lista o project finance tradicional, bastante conhecido da indústria de infraestrutura. No caso do Brasil, não faltam opções, segundo dois especialistas no tema ouvidos pela Brasil Energia.

Para Luiz Paulo Pereira Assis (foto), sócio da Deloitte, a discussão sobre financiamento sustentável – verde ou temático, outros dois nomes para o mesmo assunto – deve partir da avaliação de maturidade das tecnologias.

“Quando se fala de energia eólica e solar, por exemplo, temos uma visão muito clara do mercado, de quais são os riscos de execução e de comercialização. Com isso, tanto o investidor quanto o financiador têm melhor percepção de risco”, argumenta. “Isso faz com que tenhamos mais instrumentos de financiamento”, cenário que estimula a entrada mais maciça de bancos privados e maior aporte de crédito.

Diferentemente dos empreendimentos solares e eólicos – e ainda mais de projetos tradicionais como hidrelétricas – as iniciativas que envolvem hidrogênio verde trazem incertezas que afastam uma boa parte dos financiadores do jogo. Os riscos de crédito, de mercado e de liquidez tendem a pressionar mais os custos de capital de tecnologias incipientes e podem inviabilizar projetos.

A solução é mitigá-los. Na avaliação de Assis, os contratos de offtake podem ser um caminho, permitindo que empreendimentos de hidrogênio verde nasçam com um executor que já tem acordos de venda da energia verde em contratos de longo prazo, reduzindo a percepção de riscos pelos financiadores. Ficam na mesa “apenas” os riscos regulatórios e os macroeconômicos.

Com relação ao primeiro, a boa notícia são as iniciativas do governo federal de criar marcos regulatórios que trazem mais segurança ao investidor, caso do hidrogênio e dos biocombustíveis. Produzir hidrogênio verde no Nordeste, aproveitando a energia renovável eólica, é visto como um mitigador de risco, por ser uma produção local e sinérgica.

Parque eólico Rio do Vento, da Casa dos Ventos no Rio Grande do Norte: expansão foi financiada com green bonds (Foto: Divulgação/Casa dos Ventos)

Outro modelo, por sua vez, pode ter impacto ainda maior. Trata-se do blended finance, no qual várias camadas de financiamento são combinadas e ajudam a reduzir os riscos e atrair o crédito privado. Nesse tipo de instrumento, entram os bancos multilaterais de desenvolvimento, com taxas subsidiadas, o que atrai investidores e financiadores que, por sua vez, assumem os riscos com o retorno a que estão acostumados.

A equação é simples: o financiamento subsidiado incentiva o aporte de capital privado, que é mediado pelas instituições financeiras privadas. No processo, a participação pública ou de bancos multilaterais, vai sendo diluída.

O Eco Invest Brasil, lançado em outubro do ano passado pelo Tesouro Nacional, é um desses mecanismos, tendo o blended finance como uma das quatro linhas de crédito. O primeiro leilão do Tesouro, nessa configuração, finalizado em outubro, disponibilizou R$ 6,8 bilhões, o que gerou uma alavancagem de R$ 37,5 bilhões, puxada por nove bancos. No total, a iniciativa totalizou R$ 44,3 bilhões, disponíveis para financiamentos sustentáveis até outubro de 2026.

Segundo Assis, o programa pode ser usado por projetos como o megahub de ferro esponja para produção de aço, alimentado por hidrogênio verde, em parceria com a Green Energy Park.

Ele também defende que os bancos privados ganham musculatura com o blended finance porque não conseguem fazer a estruturação do financiamento fim a fim em empreendimentos de energia. “Com o modelo, eles passam a ter produtos com riscos e retornos mensurados”.

A mitigação de riscos, aliás, pode trazer uma redução global estimada em US$ 50 trilhões no processo de transição energética, segundo o consultor. Esse número foi destacado pelo relatório da Deloitte, que aponta que entre 45% e 90% dos custos de capital de projetos de energia renovável estão associados a riscos macro, técnicos, de mercado e financeiros. Uma redução desses riscos poderia diminuir em 17% os investimentos em projetos de geração eólica na América do Sul, de acordo com o mesmo documento.

Multinacionais usam capital próprio

Maria Eugênia Buosi (foto), sócia de ESG Financial Risk Management da KPMG no Brasil, também destaca o blended finance como impulsionador do setor de energia. Para ela, o modelo pode ser ainda mais beneficiado com outro passo importante, que é o estabelecimento da taxonomia oficial de sustentabilidade do país. O nome parece complicado, mas é fácil de entender.

Trata-se de definir, de maneira clara e objetiva, com base na ciência, critérios e indicadores específicos se uma atividade contribui para a sustentabilidade e/ou para a transição para uma economia sustentável. A definição vem da Associação Internacional de Mercado de Capitais (ICMA, sigla em inglês).

Para Buosi, o desenvolvimento da taxonomia, a cargo do MME, tem tudo para reforçar os financiamentos alocados em energia renovável, um dos trunfos do Brasil. Nesse ecossistema, a taxonomia seria como uma “organização da casa” para ampliar os financiamentos verdes via operações de blended finance.

Além desse movimento, há os modelos tradicionais. Buosi lembra que o histórico dos investimentos sustentáveis no Brasil partiu do mercado de ações. Segundo ela, desde o começo dos anos 2000 os primeiros instrumentos de financiamento vieram dessa fonte. “Tínhamos vários índices de sustentabilidade da bolsa e os fundos seguiam os parâmetros deles, investindo em empresas com as melhores classificações”, destaca.

A aquisição de empresas, com investimento de capital, também faz parte do jogo, na avaliação da especialista. Ela mesma, como especialista, trabalha para avaliar a consistência de práticas de sustentabilidade de empresas do setor de energia, de forma que elas possam receber investimentos de fundos temáticos.

Outra alternativa de financiamento vem dos próprios grupos do setor. “Grandes empresas, em muitos casos, são internacionais, com operação no Brasil. Elas adotam financiamento próprio porque no cenário de juros brasileiro, podem captar o crédito mais barato no exterior e passar o dinheiro para a operação local”.

Para as empresas de menor porte, os financiamentos verdes também podem ser viáveis no modelo de blended finance.  O avanço da taxonomia de sustentabilidade, por sua vez, pode reforçar a necessidade de participação da indústria nacional nos empreendimentos de energia, reduzindo os custos de importação – e financiamento – em dólar.

“O investimento sustentável também passa pelo impacto social e questões como incentivo à indústria nacional e geração de empregos devem ser encaminhados”, finaliza Buosi.

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