Revista Brasil Energia | Novos Modelos e Tecnologias em Energia

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Distribuidoras, prefeituras e arranjos para o transporte urbano

O principal desafio na eletrificação do transporte são modelos que parem de pé em termos de rentabilidade. Infraestrutura de recarga e tecnologia não são empecilhos para o avanço dos veículos elétricos

Por Nelson Valencio

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Recarga plug-in de ônibus em Salvador: para especialistas, receita de sucesso envolve a segmentação de mercado, com foco nos nichos onde haja recorrência de uso e frequência de carregamento (Foto: Pollyana Rêgo/WRI)

Testes mostram que veículos de transporte público rodam mais de 200 km diários em grandes cidades. A partir dessa e outras premissas, como recargas que podem ser feitas ao longo do dia, evitando horários de pico, especialistas ouvidos pela Brasil Energia entendem que os modelos praticados por agentes públicos, concessionárias de energia e concessionárias de transportes influenciam bastante nos resultados.

Para eles, há diferenças de velocidade nessa jornada e os ônibus elétricos saem na frente, seguidos de perto pelos carros usados para serviços de aplicativos como Uber e 99. A entrega rápida em centros urbanos também mostra viabilidade.

“Os investidores precisam de um retorno sobre o investimento e uma receita constante. Não adianta instalar carregadores se não houver demanda”, resume Francisco Scroffa (foto), principal executivo da Enel na área de serviços não-regulados.

De acordo com ele, a receita de sucesso envolve a segmentação de mercado, com foco nos nichos onde haja recorrência de uso e frequência de carregamento. O principal deles são os ônibus elétricos que, em grandes cidades, rodam em média de 200 km a 300 km por dia.

Embora possam ter um custo inicial maior, a eficiência sobre os veículos a diesel – especialistas falam em uma média de 70% – garantiria a viabilidade. O custo das baterias – em média 50% do valor dos elétricos – é um dos fiéis da balança, mas tende a cair, na avaliação dos técnicos.  

A experiência em campo, principalmente em São Paulo, indica também como desenhar um modelo sustentável. No final de janeiro, a cidade tinha 428 ônibus elétricos em operação, além de 201 trólebus, eletrificados por um sistema de rede aérea. Ainda são menos de 10% da frota de mais de 15 mil da metrópole.

Marcel Martin (foto), diretor geral no Brasil do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT), argumenta que o modelo paulistano entre a prefeitura e os operadores de frota de ônibus é ganha-ganha. Os dados estão no relatório Implantação de Ônibus Elétricos na Cidade de São Paulo, que traz ainda dados de um piloto realizado durante um ano.

O documento mostra também como funciona o modelo de subvenção parcial para adoção de frota eletrificada. Nesse processo, a prefeitura tomou empréstimos junto a bancos estatais e de desenvolvimento para transferi-los depois para as operadoras.

Como os juros são menores, a iniciativa levou à uma economia estimada em R$ 4,8 bilhões num período de 12 anos.

Na configuração atual, a manutenção fica a cargo das operadoras, que detêm a propriedade dos veículos e também respondem pelos custos de infraestrutura de carregamento, além da substituição e manutenção das baterias.

A infraestrutura de energia, aliás, é um ponto importante, apesar de não ser um entrave. De acordo com o estudo do ICCT, feito em parceria com a C40, rede global que reúne quase 100 prefeitos em todo o mundo, a escolha do modelo de recarga impacta bastante na operação das frotas elétricas.

A opção por recarga noturna tem o desafio da demanda de maior potência, o que leva a adaptações na rede elétrica e maiores custos. Gabriel Tenenbaum (foto), diretor de Implementação da C40 para a América Latina, explica que essa alternativa pode ser viável em pequenas cidades, mas complexa para as maiores.

“Um ônibus atualmente carrega em 80 kW. Se a frota for de 100 carregando à noite, vamos ter uma demanda considerável de média tensão, o que exige grande adaptação nas garagens”, resume.

No modelo de recarga integrada, o carregamento acontece ao longo do dia, reduzindo picos de potência. O desafio maior é de planejamento para distribuir os carregadores entre garagens, terminais e eletroterminais, evitando atraso nos ônibus.

Em campo, o teste em São Paulo mostrou que o tempo médio de recarga pode variar entre 3,6 e 3,8 horas. Isso significa que cada ônibus teria que ter entre 1,67 e 1,86 recargas por dia.

Um aspecto importante é que 70% das recargas foram realizadas no período noturno, entre 20h e 4h, evitando o horário de pico, que acontece das 17h30 às 20h30, período que a energia na capital paulista é mais cara.

O consumo de energia, por outro lado, variou de 1,19 kWh/km e 1,27 kWh/km. Com isso, cada veículo teria demandado cerca de 224 kWh por dia. Esse valor considera o total que saiu da bateria menos a energia gerada pela frenagem regenerativa (recuperada quando o freio é acionado).

Ônibus elétricos em circulação em São Paulo: alta rodagem diária e maior eficiência sobre veículos a diesel garantem viabilidade da tecnologia (Foto: Sidney Santos/SPTrans)

Outro teste - realizado pela prefeitura de Belo Horizonte, durante três meses em 2024 - traz mais informações.

O ensaio, inclusive, deve ajudar a pautar a licitação para aquisição de 100 ônibus elétricos, viabilizada pelo Plano de Aceleração de Crescimento (PAC). No total, a iniciativa do governo federal envolve mais de 2,5 mil ônibus elétricos.

Rafael Resende, superintendente de Mobilidade da capital mineira, explica que a parceria com a Cemig foi fundamental para avaliar o impacto da frota eletrificada na rede, principalmente na definição dos 27 pontos de recarga.

Realizado com quatro modelos de fabricantes diferentes, o ensaio de Belo Horizonte mostrou uma diferença de consumo médio considerável entre os modelos. O menor consumo foi de 1,22 kWh/km, bem abaixo dos 1,93 kWh/km do maior consumo.

Teste em Belo Horizonte envolveu quatro modelos de fabricantes diferentes, com grande variação de consumo e autonomia (Foto: Divulgação)

Para Resende, essa disparidade traz complexidade ao edital para compra dos modelos, ainda mais que a autonomia identificada também variou muito – até 57%. Alguns veículos rodaram 142,8 km sem recarga, enquanto o mais eficiente registrou 248,5 km.

“Vamos começar com recarga de oportunidade para a entender o consumo e depois pensar em expandir para os corredores de BRT e estações de integração”, adianta Resende, já falando da futura adoção dos elétricos.

Embora os elétricos não devam superar 4% da frota em Belo Horizonte, o teste mostrou que nem todas as operadoras têm estrutura adequada, o que traz os players de infraestrutura para o centro do processo, sejam distribuidoras ou não.

A implantação dos eletropostos é ressaltada por Scroffa, da Enel, que lembra o papel das concessionárias no ecossistema de eletromobilidade. “Elas são cruciais para atender às necessidades de conexão e fornecimento de carga, inclusive para entender a necessidade real de carga nas garagens”, argumenta.  

A empresa italiana – com seu braço em serviços não-regulados – tem um piloto em São Paulo, que envolve 48 ônibus de três operadoras.

Enel X instalou hub de carregamento elérico no SP Market, shopping center na Zona Sul de São Paulo (Foto: Rubens Morelli/Canal VE)

Outra iniciativa é a ativação de um centro de recarga em shopping center da zona Sul da capital, com foco em motoristas de aplicativos e veículos usados em entregas urbanas expressas. A localização do centro – que funciona 24x7 – levou em conta a segurança e a capacidade de abastecimento para vários veículos ao mesmo tempo.

“Para motoristas de aplicativo, rodar cerca de 300 km/dia em carro elétrico pode gerar uma economia mensal em torno de R$ 2 mil. É um valor que cobre a cota mensal de financiamento do veículo”, finaliza Scoffra.

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