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O bate-cabeça na governança do Setor Elétrico

Para especialistas, o recente cancelamento do LRCap 2025 demonstra que o Executivo precisa aprimorar a governança entre seus órgãos e azeitar o diálogo com o Legislativo, onde caminha em paralelo um PL para a reforma do Setor Elétrico

Por Nelson Valencio

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Para especialistas, falta de consenso entre MME e Aneel, especialmente envolvendo o critério de despacho de energia, motivou o cancelamento do LRCap (Foto: Alexandre Marchetti/Itaipu Binacional))

A reforma do Setor Elétrico ganhou um novo capítulo em 16 de abril, quando o Ministério das Minas e Energia (MME) enviou a proposta de modernização do segmento à Casa Civil da Presidência da República. Novo, porque tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 414/2021, com foco na mesma pauta.

A iniciativa do MME, em paralelo com o PL do Legislativo Federal, aponta para a pulverização de iniciativas de regulação. Na opinião de especialistas ouvidos pela Brasil Energia, a melhor articulação entre os atores do segmento poderia evitar dores de cabeça, caso do recente cancelamento do Leilão de Reserva de Capacidade na Forma de Potência (LRCap) 2025.

Maysa Verzola (foto), head da área de Direito Público do escritório Gasparini, Barbosa e Freire Advogados, destaca que o leilão foi postergado pela falta de consenso entre MME e Aneel e pela necessidade de revisar as condições de mercado e os impactos regulatórios.

Na análise da especialista, enquanto o MME queria implementar rapidamente a reserva de capacidade para garantir o fornecimento, a Aneel sinalizava para a necessidade de mais tempo, a fim de evitar impactos tarifários negativos.

Segundo a advogada, o imbróglio seria evitado com uma consulta pública para esclarecer a novidade do Fator A, introduzido no edital do leilão pelo MME. A inclusão adicionou um novo parâmetro ao processo de seleção do despacho de usinas pelo ONS, o qual é feito com base no Custo Variável Unitário (CVU).

No modelo atual, há uma priorização das usinas com menor custo de geração - conhecido como despacho por ordem de mérito. Com a novidade proposta pelo MME, a base do despacho deixaria de ser apenas o custo e incluiria também a capacidade de resposta rápida dos geradores.

“A divergência reflete a tensão entre a segurança energética, defendida pelo MME, e os efeitos regulatórios e tarifários, defendidos pela Aneel”, explica Maysa. Para ela, o lado positivo do cancelamento é a discussão sobre a implementação equilibrada das políticas no setor.

O consenso, de acordo com a especialista, passa pelo aprimoramento da governança, com a maior integração e coordenação entre MME, EPE, ONS e Aneel, as quatro instituições mais importantes do segmento.

“A criação de grupos de trabalho interinstitucionais e o uso de plataformas digitais compartilhadas poderiam facilitar a troca de informações e alinhar ações estratégicas”, defende. Na avaliação da advogada, as medidas garantiriam que decisões complexas, como a expansão da matriz energética e a integração das fontes renováveis, sejam tomadas de forma mais eficiente e harmoniosa.

Maysa defende o papel mais claro das instituições. A Aneel, por exemplo, deveria atuar de maneira mais independente, mantendo a autonomia em relação a pressões políticas, o que asseguraria decisões mais técnicas e fundamentadas.

No caso do MME e da EPE, a maior coordenação pode fortalecer o planejamento da expansão de energias renováveis e a modernização da infraestrutura. No caso do ONS, o aprimoramento passa por uma operação do sistema que considera as novas demandas energéticas e as mudanças climáticas.

O receituário de Maysa é validado por Wagner Ferreira (foto), especialista no setor de energia e sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados. Para ele, o processo de governança deve envolver diálogo organizado, pautas claras e alinhamento constante. Nessa fórmula, a conversa com o legislativo é outro ponto de atenção, pois o processo decisório político mudou.

“Os projetos de lei refletem iniciativas da sociedade e decorrem basicamente de uma reação dos setores e segmentos de interesse em virtude de lacunas e discordâncias sobre o atual modelo”, explica. “Esses projetos, na sua grande maioria, não surgem no congresso por iniciativa de um ou outro parlamentar, mas sim, por atores que representam interesses econômicos setoriais específicos”, completa.

O desafio, na avaliação de Ferreira, é o alinhamento entre os projetos e o planejamento setorial. O desalinhamento, por outro lado, pode trazer inseguranças, que afetam os investimentos estruturantes e aumentam a judicialização, riscos e custos de transação.  

A ligação entre insegurança jurídica e judicialização, aliás, é apontada pelos dois especialistas. Para Maysa, as mudanças abruptas ou interpretações conflitantes das normas estão entre as principais causas da busca de soluções nos tribunais.

“Elas afetam diretamente a confiança de investidores, pois criam um ambiente no qual as decisões regulatórias podem ser alteradas de forma inesperada. O cancelamento do LRCap é um reflexo dessa insegurança, uma vez que empresas que investiram e se prepararam para o leilão podem agora se ver em uma situação em que o retorno do investimento está comprometido”, resume.

Uma forma de reduzir os atritos, segundo ela, é a manutenção de um canal de comunicação do MME e da Aneel com os parlamentares, explicando as implicações das propostas e evitando alterações inesperadas que possam gerar insegurança. Ela lembra ainda que a autonomia das agências reguladoras deve ser preservada, permitindo decisões técnicas.

“O Legislativo deve apoiar reformas que incentivem a inovação e sustentabilidade, sem comprometer a segurança jurídica do setor”, resume.

Além do aprimoramento da governança e da comunicação com legislativo, o aperfeiçoamento do setor elétrico deve incluir reformas pontuais, como assinala Ferreira. Um exemplo é a possiblidade de consultas públicas mais curtas, que podem ser assertivas, mas dependem da costura prévia entre executivo e legislativo.

“O Congresso é parte dessa solução, pois é quem legisla”, finaliza.

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