PL pode destravar usinas de recuperação energética no Brasil

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PL pode destravar usinas de recuperação energética no Brasil

Texto altera a Lei nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, e insere uma mudança fundamental na PNRS; a recuperação energética passa a ser opção preferencial à disposição em aterros sanitários

Por Marcelo Furtado

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Projeto da URE Barueri (20 MW), da Orizon, está em construção, com previsão de entrada em 2027 (Foto: Divulgação/Orizon)

Foi apresentado ao Senado Federal, no dia 26 de agosto, o Projeto de Lei 3311/2025, que institui o Programa Nacional do Metano Zero (MetanoZero) e que pode abrir caminho para a viabilização das usinas de recuperação energética (UREs) de resíduos sólidos urbanos no país. De autoria do senador Fernando Dueire (PMDB-PB), o PL aguarda agora despacho da Presidência do Senado sobre o pedido de urgência e encaminhamento para as comissões temáticas.

Na avaliação da Associação Brasileira de Energia de Resíduos, a Abren, envolvida diretamente na construção do PL, a proposta cria um marco regulatório capaz de integrar a gestão de resíduos à produção de energia renovável, oferecendo as bases para que projetos já prontos – e a maioria engavetados - avancem para a implementação.

Yuri Schmitke, presidente da Abren“Nossa expectativa é que o PL viabilize um ciclo virtuoso de investimentos. O texto abre espaço para tecnologias já consolidadas no mundo, como a recuperação energética de resíduos sólidos não recicláveis, além da biodigestão anaeróbica e o coprocessamento de CDRs (combustível derivado de resíduo)”, avaliou o presidente da Abren, Yuri Schmitke (foto).

Além do objetivo óbvio de reduzir as emissões de metano, o que as UREs têm muito a contribuir por diminuírem consideravelmente (em até 90%) o aterramento de resíduos, uma das principais causas das emissões, o MetanoZero estabelece incentivos para o desenvolvimento das tecnologias. E aí não apenas para a incineração direta para geração térmica, mas também para a biodigestão (geração controlada de biogás em digestores) e para as soluções com base no CDR empregados para queima em fornos de cimento.

O PL tem como propósito reduzir as emanações do setor de resíduos, responsável por 15,8% das emissões de metano no Brasil. O país é o quinto maior emissor mundial do gás e aproveita apenas 3% do seu potencial teórico de geração de biogás, estimado em volume equivalente a 40% da demanda nacional de eletricidade.

Os incentivos

Como pontos para incentivar a nova cadeia de recuperação energética, o texto prevê que a energia elétrica gerada a partir de biodigestão anaeróbia, coprocessamento de combustível derivado de resíduos (CDR) e recuperação energética de resíduos sólidos não recicláveis passe a integrar, de forma obrigatória, uma fração mínima da contratação anual da matriz energética nacional. As metas serão progressivas e definidas por instrumento específico, sujeito a consulta pública e revisões periódicas.

O projeto estabelece ainda que municípios com mais de 500 mil habitantes realizem estudos técnicos detalhados sobre a viabilidade de usinas de biodigestão, coprocessamento e UREs como alternativas prioritárias à disposição em aterros. Os contratos de concessão para gestão de resíduos poderão ser aditados ou renovados por até 30 anos, desde que incluam programas específicos para implantação dessas soluções.

Outro ponto relevante é a exigência de que todas as usinas de recuperação energética elaborem planos de gerenciamento de resíduos, com foco no tratamento adequado de cinzas e subprodutos. O reaproveitamento em processos industriais poderá ser autorizado desde que comprovada a ausência de riscos ambientais ou à saúde pública.

Certificação de Origem

O MetanoZero cria também a Certificação de Origem Metano Zero, documento oficial que comprovará a redução de emissões obtidas pelas usinas. A certificação terá validade de cinco anos e permitirá acesso facilitado ao mercado de créditos de carbono, inclusive no âmbito do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Pequenos empreendimentos terão regras simplificadas para emissão do certificado.

As receitas oriundas da comercialização dos certificados deverão ser aplicadas prioritariamente à modicidade tarifária no setor elétrico. Pelo menos 20% dos recursos deverão ser destinados a projetos de saúde pública relacionados à gestão sustentável de resíduos e redução das emissões de gases de efeito estufa.

Fábrica da Votorantim Cimentos em Rio Branco do Sul (PR)

Fábrica da Cimentos Votorantim em Rio Branco do Sul (PR): no Brasil, 15 fábricas da empresa fazem coprocessamento de resíduos ou possuem licença para operar com combustíveis alternativos (Foto: Divulgação/Votorantim Cimentos)

Para assegurar governança, o projeto prevê a criação do Comitê Interministerial do Programa Nacional do Metano Zero (Cipem), que terá participação de ministérios, representantes do setor privado, da academia e da sociedade civil. Caberá ao comitê definir metas, estruturar concessões municipais, elaborar normas e coordenar a articulação entre diferentes esferas de governo.

O Cipem também será responsável por estabelecer parâmetros técnicos para certificação, fomentar pesquisas sobre emissões em aterros, promover inclusão de cooperativas de catadores e incentivar a cooperação com agências de financiamento para viabilizar projetos. Reuniões ordinárias deverão ocorrer a cada dois meses.

O texto altera ainda a Lei nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. A mudança insere a recuperação energética como opção preferencial à disposição em aterros e estabelece que, quando houver coleta seletiva, os recicláveis passem obrigatoriamente por triagem antes de qualquer aproveitamento energético.

A proposta reconhece diferentes rotas de aproveitamento energético. As UREs são definidas como instalações industriais para tratamento térmico ou biológico de resíduos sólidos com recuperação energética segura. A biodigestão anaeróbia é destacada como alternativa para resíduos orgânicos, resultando em biogás e fertilizantes. O coprocessamento de CDR é descrito como técnica para substituir combustíveis fósseis em processos industriais, especialmente no setor de cimento.

Na justificativa, o autor, senador Fernando Dueire (MDB/PE), ressalta ainda que o país precisa de um marco regulatório para incentivar tecnologias avançadas de valorização energética de resíduos. O PL também busca alinhar o Brasil a compromissos internacionais, como o Acordo de Paris e o Global Methane Pledge, que prevê redução de 30% nas emissões globais de metano até 2030.

Para a Abren, a base regulatória supera barreiras institucionais e legais para o setor avançar. O projeto abre espaço, por exemplo, para estímulos à cooperação entre União, Estados e Municípios na formação de consórcios públicos e blocos regionais para implementação de usinas de biodigestão, coprocessamento e recuperação energética. Essa abordagem é vista como fundamental para viabilizar projetos em larga escala.

Unidade de Triagem Mecanizada da Orizon

Unidades de Triagem Mecanizadas (UTM) da Orizon, em Paulínia (SP) e Jaboatão dos Guararapes (PE), separam os produtos recicláveis do lixo orgânico (Foto: Divulgação/Orizon)

Estudos científicos e modelos computacionais validados internacionalmente deverão embasar os cálculos de emissões evitadas. Para pequenos empreendimentos, o texto prevê metodologias simplificadas e certificação coletiva em arranjos intermunicipais.

As usinas certificadas poderão ser consideradas prioritárias para acesso a eventuais incentivos fiscais e financeiros futuros, de acordo com a contribuição comprovada para redução de emissões e geração de energia renovável.

A proposta contempla ainda a integração de catadores ao sistema de triagem e valorização de resíduos, com investimentos diretos em infraestrutura e capacitação. O objetivo é garantir inclusão social e eficiência operacional. Já a certificação Metano Zero também deverá trazer oportunidades no mercado internacional de créditos de carbono, ao reconhecer reduções de emissões auditadas e transparentes.

De acordo com Schmitke, da Abren, a aprovação do PL poderá colocar em prática uma indústria integrada de tratamento de resíduos, hoje travada pela ausência de um marco legal específico. O país, afirma, tem potencial de liderar a recuperação energética de resíduos na América Latina.

A expectativa é que, uma vez aprovado, o projeto crie condições para a construção de novas UREs em território nacional, já que os estudos de viabilidade e projetos técnicos estão disponíveis e aguardam apenas segurança regulatória.

O PL poderia de imediato destravar uma carteira de projetos de UREs com potencial para 311 MW de potência instalada. Entre os empreendimentos previstos, apenas a URE Barueri (20 MW, 875 t/dia, com contrato no A-5/2021) está em construção, com previsão de entrada em 2027. Outras, que poderiam ser viabilizadas com o PL, são a URE Mauá (80 MW, 3.000 t/dia), a URE Caju (31 MW, 1.300 t/dia), a URE Consimares (20 MW, 700 t/dia), a URE Baixada Santista (45 MW, 2.000 t/dia) e a URE Brasília (55 MW, 2.000 t/dia).

Há ainda projetos em São Paulo, como a URE Loga (30 MW, 1.000 t/dia, prevista para 2034) e a URE Ecourbis (30 MW, 1.000 t/dia, prevista para 2028).

Esses empreendimentos, atualmente parados por falta de marco regulatório, representam o passo inicial de uma expansão que pode atingir 994 MW até 2040, caso sejam implementadas as metas previstas no Plano Nacional de Resíduos Sólidos. A projeção equivale ao tratamento de quase 15% do RSU nacional por meio de recuperação energética.

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