
Opinião
Hidrogênio a partir de biomassa e uso em sistemas de bioenergia
A demanda de hidrogênio no país para produzir os biocombustíveis pelas rotas HEFA e AtJ pode chegar a mais de 320 mil t/ano e 92 mil t/ano, respectivamente, em 2034

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) lançou no final de junho a Nota Técnica (NT) “Hidrogênio e Biomassa: Oportunidades para produção e uso de hidrogênio em sistemas de bioenergia”1, onde foram mapeadas rotas tecnológicas e matérias-primas para produzir hidrogênio a partir da biomassa e o seu uso potencial na indústria bioenergética.
Um dos grandes atrativos do hidrogênio como vetor energético é a sua versatilidade, em função da diversidade de rotas de produção e de setores em que pode ser utilizado. No Brasil, o uso de biomassa para a produção de hidrogênio vem se destacando desde o ProH2 (Programa de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Economia do Hidrogênio), lançado em 2002 pelo MCT2.
Um fator decisivo para isso é a participação da biomassa na matriz energética brasileira: em 2023, a biomassa contribuiu com cerca de um terço da oferta interna de energia do país, ocupando o segundo lugar em participação, atrás somente de petróleo e derivados.
Embora o hidrogênio proveniente de biomassa já tenha sido chamado pela própria EPE de “hidrogênio musgo”3, em associação ao hidrogênio verde que é produzido a partir de eletrólise da água, nesta NT a EPE evita a referência às cores do hidrogênio, devido à dificuldade de associar a intensidade de carbono a cada uma das cores.
A NT destaca as seguintes matérias-primas para a produção de hidrogênio a partir de biomassa:
(i) etanol, que pode ser usado como “vetor” de hidrogênio, aproveitando a infraestrutura logística já consolidada;
(ii) glicerina, coproduto da produção do biodiesel, hoje subutilizado, permitindo agregar valor à sua produção e integrando as rotas da indústria bioenergética;
(iii) biogás e biometano, provenientes de resíduos urbanos e agroindustriais, como a biomassa lignocelulósica (por exemplo, bagaço e palha de cana e casca de arroz), que não competem com a produção de alimentos.
As rotas termoquímicas, como reforma de etanol, glicerina e biogás/biometano, apresentam atualmente maior competitividade para a produção de hidrogênio a partir de biomassa, devido ao elevado nível de maturidade tecnológica. Além disso, o hidrogênio proveniente de biomassa é o único com potencial de emissões negativas, quando associado a um processo de captura e utilização do CO2 gerado (CCUS).
As oportunidades de uso do hidrogênio e seus derivados na indústria de bioenergia estão tanto na fase agrícola, como na amônia que é utilizada para a produção de fertilizantes nitrogenados, quanto na fase industrial, como na produção de metanol e biocombustíveis.
O setor de biocombustíveis é um dos grandes potenciais consumidores de hidrogênio de baixo carbono produzido no Brasil. O hidrogênio é utilizado para a produção de diesel verde e combustível sustentável de aviação (SAF), tanto no hidroprocessamento de ésteres e ácidos graxos (rota HEFA- “Hydroprocessed Esters and Fatty Acids”) quanto na hidrogenação de olefinas obtidas a partir de oligomerização de álcoois (rota AtJ- “Alcohol-to-Jet”).
A demanda de hidrogênio no país para produzir os biocombustíveis pelas rotas HEFA e AtJ pode chegar a mais de 320 mil t/ano e 92 mil t/ano, respectivamente, em 2034.
Considerando ainda a estimativa de demanda de hidrogênio para a produção de metanol utilizado na síntese do biodiesel e para a produção de fertilizantes nitrogenados aplicados nas culturas de soja, milho e cana destinadas à síntese de biocombustíveis, esse valor chega a quase 1 milhão t/ano em 2034, praticamente o dobro da produção atual de hidrogênio no Brasil (500 mil t/ano).
A NT destaca que o interesse do setor de bioenergia em reduzir a intensidade de carbono dos biocombustíveis e seus coprodutos, em particular a partir do acesso a insumos de baixa emissão de carbono, pode ter um papel significativo em impulsionar o desenvolvimento das cadeias nacionais de hidrogênio.
Por outro lado, o fortalecimento do mercado de hidrogênio de baixo carbono e seus derivados pode se tornar uma opção de alto valor agregado para a indústria de bioenergia, mostrando a sinergia entre os dois setores.
1 EPE, Nota técnica. “Hidrogênio e Biomassa - Oportunidades para produção e uso de hidrogênio em sistemas de bioenergia”, 2025. Disponível em: https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-891/NT-EPE-DPG-SDB-2025-02_H2%20e%20biomassa.pdf
2 CGEE, Hidrogênio energético no Brasil - Subsídios para políticas de competitividade: 2010-2025, 2010. Disponível em: https://www.cgee.org.br/documents/10195/734063/Hidrogenio_energetico_completo_22102010_9561.pdf/367532ec-43ca-4b4f-8162-acf8e5ad25dc?version=1.5
3 EPE, “Bases para a Consolidação da Estratégia Brasileira de Hidrogênio”. 2021. Disponível em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/nota-tecnica-bases-para-a-consolidacao-da-estrategia-brasileira-do-hidrogenio