
Energia nuclear começa a atender demanda de data centers
Revista Brasil Energia | Novos Modelos e Tecnologias em Energia
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Energia nuclear se posiciona no mercado de data centers
Experiência dos Estados Unidos mostra potencial que pode ser replicado no Brasil, inclusive com Angra 3. Data centers precisam de segurança energética em regime 24 x 7 e as intermitentes só atendem parte dessa demanda

Projeções do banco de investimento Goldman Sachs indicam que a demanda de energia dos data centers aumentará 160% até 2030, considerando o consumo de 2023. Embora as energias renováveis intermitentes apareçam como opções sustentáveis, elas não vão suprir todas as necessidades futuras.
Segundo os especialistas, como a demanda dos data centers é de energia 24x7, as fontes solar e eólica – mesmo combinadas com soluções de armazenamento – só dariam conta de 80% do consumo. Ou seja, seria necessária uma opção de base para aumentar a confiabilidade do fornecimento.
Candidatas naturais, as alternativas térmicas podem trazer alguns complicadores. Uma análise preliminar indica que, se 60% do aumento de demanda de energia dos data centers fosse abastecido por esse tipo de geração, haveria também um aumento equivalente a 0,6% das emissões globais de energia.
A opção preferida de base seria a nuclear, que tem baixas emissões de CO2, embora seus resíduos, inclusive a água de reuso, precisem ser gerenciados com cuidado.
O movimento das big techs como Amazon e Google mostra que se espera uma contratação de 14 GWh por parte delas, nos Estados Unidos, até 2040. Este é um número superlativo para qualquer país, mas não tanto para os EUA, maior produtor mundial de geração nuclear, onde os cerca de 100 reatores nucleares do país produziram 779 TWh em 2023, último dado disponível da WNA – World Nuclear Association, representando 19% da produção elétrica total.
O atendimento das gigantes de tecnologia viria de acordos com usinas existentes e da construção de pequenos reatores modulares (SMR).
Em conversa com a Brasil Energia, Celso Cunha (foto), presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan), explica que a sinergia entre data centers e geração nuclear faz muito sentido. Ele também destaca que os SMRs (Small Modular Reactors)* aparecem como uma solução não só para esse mercado, como para todo o país.
“Os data centers exigem energia ininterrupta e com alta confiabilidade, ou seja, com fator de entrega que é próprio da energia nuclear”, resume. “As fontes renováveis com baterias são consideradas apenas acumuladores temporários e não de energia primária. Além disso, podem gerar harmônicos e outros inconvenientes”.
Cunha lembra que a energia nuclear tem um fator de capacidade de 92%, muito superior ao da energia solar (30%) e eólica (40%). Essa alta eficiência seria uma das vantagens para garantir a constância do fornecimento que os data centers precisam. A questão é: o Brasil estaria preparado para suprir os data centers com esse tipo de geração?
O presidente da Abdan reconhece que o país não possui usinas prontas até 2027, que possam suprir adequadamente a demanda dos data centers, nem mesmo com uma combinação de térmicas a gás.
Ele lembra, porém, que houve a sugestão de que Angra 3, uma usina de 1,4 GW, poderia ter um data center construído ao seu lado. Nesse modelo, o centro de dados faria parte da modelagem financeira do empreendimento. “Seria uma solução para reforçar o reconhecimento da capacidade nuclear em atender a essa demanda específica”, explica.
Energia da usina Three Mile Island, na Pensilvânia (EUA), será contratada para abastecer data centers da Microsoft (Foto: Divulgação)
Os pequenos reatores modulares, já citados, são uma opção mais viável. Cunha explica que, nos Estados Unidos, por exemplo, os SMRs estão sendo integrados em usinas descomissionadas para suprir data centers. Entre os diferenciais desse tipo de reator estariam a adaptabilidade e a segurança intrínseca.
Na sua análise, além de intrinsecamente seguros, os SMRs são passivos, extremamente avançados e altamente flexíveis. A tecnologia pode ainda ser usada para descarbonizar indústrias como siderúrgicas (produção de aço verde) e mineração de grande porte, que têm alto consumo de energia.
“Há uma possibilidade real de adaptar usinas térmicas a carvão existentes para hospedar SMRs, como estudado pela Diamante em Santa Catarina”, revela o presidente da Abdan. (N.R. Ver matéria publicada na Brasil Energia)
O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2034 prevê, por exemplo, a construção de quatro novas usinas de 1 GW no Sudeste do Brasil. No total, há uma sinalização para a adição de aproximadamente 12 GW em novas usinas nucleares, indicando um amplo espaço para o crescimento dessa fonte na matriz, segundo Cunha.
“Essa expansão é crucial para a descarbonização e para atender à necessidade de energia de base em um sistema elétrico que enfrenta desafios com o crescimento acelerado de fontes intermitentes, como a solar e a eólica”, argumenta.
Os recursos naturais contam a favor do Brasil, que oscila entre ter a sexta ou sétima maior reserva de urânio do mundo, dependendo dos estudos de prospecção mineral. O país também possui um ciclo completo de combustível nuclear.
Mina de Urânio em Caetité (BA): Brasil oscila entre a sexta e a sétima maior reserva de urânio do planeta (Foto: Divulgação/INB)
A produção tradicional de urânio, em Minas Gerais, vai ser complementada pelo projeto de Santa Quitéria, no Ceará, onde está a maior mina do minério do país. Ambas contribuem para a viabilidade econômica do ciclo do combustível nuclear.
Entre os destaques estão o projeto Iperó, que deverá iniciar a produção industrial de hexafluoreto de urânio (uma das fases para fabricar combustível) no final de 2026.
Na área de tecnologias avançadas estão a possível experiência de SMRs da Diamante em Santa Catarina, ao lado de iniciativas de aplicação na medicina, com projeto de reator multipropósito em conjunto com a Argentina. A propulsão nuclear, com a construção do primeiro submarino nuclear, é outro exemplo.
De acordo com Cunha, o Brasil está avançando na área regulatória, com a energia nuclear fazendo parte do programa de hidrogênio, da discussão de taxonomia verde do Ministério da Fazenda e do plano climático.
O presidente da Abdan, no entanto, destaca o desconhecimento sobre o tema, embora existam mais de 86 projetos de lei focados apenas em renováveis tramitando no Congresso Nacional.
“Há um esforço para levar informações corretas aos parlamentares e aos formadores de opinião”, argumenta. “A discussão sobre a energia nuclear no Brasil, especialmente em relação a Angra 3, é radicalmente política e não técnica", carecendo de racionalidade e uma visão real”, finaliza.
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*A Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) define 'small' como reatores modulares com capacidade para gerar até 300 MWe (elétricos) e médios entre esse número e 700 MWe. Reatores menores, com capacidade de até 20 MW, são conhecidos como Micro Reatores Nucleares (MRN)
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