
Opinião
Jabutis das eólicas, irresponsabilidade e desmobilização
A regulação, quando capturada por agentes privados, gera danos microeconômicos, prejudicando o que se deseja desenvolver, e macroeconômicos, em que a sociedade paga o custo e o Governo arca com o prejuízo político

O PL 576/21 se constitui como marco legal das eólicas offshore e é um passo importante nesse sentido. Até aqui, no âmbito regulatório, havia o Decreto 10946/22 e as portarias 52/GM/MME e MME/MMA 03/22 que tratavam da cessão de uso de espaços físicos e aproveitamento de recursos naturais em águas interiores da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental brasileira. O PL amplia as dimensões desse aparato, garantindo estabilidade do marco regulatório, segurança jurídica e compromisso com a descarbonização, elementos que tendem a aumentar os investimentos no setor de energia eólica.
No entanto, o Congresso deu passos atrás muito prejudiciais à própria essência do PL, o setor de energia eólica, e com potenciais riscos inflacionários, comprovando que a regulação quando capturada por atores privados gera danos microeconômicos, prejudicando o que muitas vezes se deseja desenvolver, e macroeconômicos, em que a sociedade paga o custo e o governo arca com o prejuízo político mesmo que a interferência seja fruto de ação do Legislativo.
Toda a movimentação se iniciou na Câmara, que em dezembro de 2024, por meio do artigo 21, incluiu outras fontes de energia no texto base do PL. Apenas PT e Novo votaram contra. Ainda na Câmara houve a ampliação do desconto na cobrança de tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd), que passariam a valer também para novos empreendimentos de geração termelétrica com potência instalada de até 30MW e não apenas para as hidrelétricas.
Houve ainda a inclusão de contração compulsória de energia térmica por parte do governo, mesmo não havendo demanda adicional, contratação de até 4,9 GW de PCH's como reserva de capacidade e extensão de 20 anos dos contratos do Proinfa. Em relação à compra compulsória de energia térmica, apesar de haver redução da potência total comprada, haverá alteração do custeio do gás natural usado nas usinas, já que o preço do gás comprado passará a ser função do leilão A6 de 2019 e do valor da molécula de gás entregue na central de geração. A energia contratada será a uma receita fixa que se igualará ao custo variável unitário a partir do leilão A5 de 2021. Esse custo é o teto para a geração de carvão mineral. A articulação partiu das bancadas de RS e SC e beneficiam amplamente as usinas de Candiota II e Figueira.
Por sua vez, essa medida afeta negativamente as fontes eólicas offshore que não foram incluídas na compra compulsória e terão de competir com outras fontes que serão mais atrativas a partir de incentivos financiados via tarifa paga pelo consumidor. A sinalização dada pelos jabutis também é terrível, já que vão contra a ideia da descarbonização ao se configurarem como incentivos ao carvão mineral. Os impactos podem chegar a 17 bilhões de reais por ano até 2050 com aumento imediato de até 9% na conta de luz, gerando severos impactos inflacionários.
O desfecho da questão depende agora de manobras políticas entre o governo, que havia vetado todos os jabutis, e o Congresso, que derrubou os vetos. É possível que o Congresso recue até a aprovação final da lei e que o governo edite uma MP para contornar os impactos da regulação mal-feita sobre o preço da energia.
No que se refere ao setor de interesse, as eólicas em mar aberto, o texto autoriza a instalação de parques eólicos no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental brasileira. Prevê a necessidade de leilões para concessões de áreas em duas fases, avaliação e execução, e estabelece os contratos de cessão de uso como ferramenta básica legal.
Do ponto de vista das pendências, fica a impressão que se gastou muita energia em negociações a respeito de favorecimento de lobbies que beneficiaram as usinas termelétricas e pouco no debate sobre detalhes jurídicos do marco regulatório.
Alguns temas não foram devidamente contemplados no PL, tais como sugestão de prospecto de prismas, esclarecimentos locacionais, definição de entidade pública responsável pela centralização de requerimento e procedimentos para declaração de interferência prévia, DIP, estabelecimento de sanções e penalidades para descumprimento na obrigação da outorga e mecanismos de mediação de conflito de interesses.
Ainda assim, o marco regulatório é um avanço e seria importante maior mobilização popular contra a derrubada dos vetos, uma vez que se perde no longo prazo e no curto prazo em que todos pagarão a conta da irresponsabilidade do Congresso que muitas vezes fica diluída, com a sociedade atribuindo muitas responsabilidades ao Executivo, mesmo que nem todas sejam de sua competência.