
Macroeconomia e geopolítica de renováveis e fósseis
Opinião
Macroeconomia e geopolítica de renováveis e fósseis
As principais empresas de petróleo e gás do mundo estão reduzindo os investimentos em renováveis em favor da exploração, enquanto o Net-Zero Banking Alliance (NZBA) busca um propósito após a saída dos bancos norte-americanos, europeus e japoneses

A mudança na ordem política e econômica global tem condicionado alterações esperadas, porém importantes na indústria de energia como um todo, sobretudo na composição dos portfólios de investimentos, com desaceleração da atratividade do setor de energias renováveis.
Observando o status atual dessa dinâmica, tendo como base as metas do Acordo de Paris, vemos que é necessário um montante de 7 trilhões de dólares em investimentos para a transição energética. No entanto, os fluxos financeiros para essa transição são da ordem de 1,5 tri, provocando um hiato de 5,5 tri, ou 5% do PIB global. Ainda é uma carência robusta, mesmo considerando que há incertezas nas estimativas por conta da redução do custo fixo médio que os projetos verdes têm se beneficiado.
Perfil e composição do investimento
Tomando dados globais, pode-se dizer que atualmente o investimento no setor de renováveis é realizado 50% pelo setor público e 50% pelo setor privado. No caso deste último, as instituições financeiras concentram financiamento em projetos plain vanilla que são mais simples e apresentam risco mais previsível. Também há direcionamento para a compra de títulos verdes que estão sob o volume de 200 bilhões de dólares na carteira dos bancos.
Nesse sentido, a carência é maior nos projetos amplos e interrelacionados que precisam receber investimentos de maneira simultânea, como o atendimento à demanda por eletromobilidade urbana. Nessa frente, os governos vinham exercendo papel importante como a Alemanha e China, por meio dos seus respectivos bancos de desenvolvimento (e fundos públicos no caso chinês), e os EUA, por meio de atos do Executivo no governo Biden, que se caracterizavam como legítimos instrumentos de política industrial.
Porém, com a vitória de Trump nas eleições as expectativas mudaram e essa inflexão foi confirmada pelos primeiros seis meses de seu governo na Casa Branca.
A reação do setor financeiro
Não por coincidência, um mês após a posse de Trump, os principais bancos americanos deixaram de fazer parte da Net-Zero Banking Alliance (NZBA), levando a um desmantelamento da associação que atualmente debate sobre a continuidade ou não da sua atual estrutura. A alternativa cogitada é, após o esvaziamento que segue com a saída de bancos da Europa e Japão, se tornar apenas um órgão consultivo sem membros.
Originalmente, a ideia da NZBA era promover um alinhamento até 2050 das carteiras de empréstimos e investimentos dos bancos membros às metas de emissões líquidas zero. Apesar disso, na prática a maior parte dos bancos nunca propôs novos modelos de negócios, segundo as principais fundações de pesquisa de mudança climática do mundo. Isso é corroborado por dados da Bloomberg que mostram que desde a definição das metas de Paris em 2015, os bancos membros da NZBA destinaram 6,4 trilhões de dólares em títulos de dívida ou empréstimos a projetos de carbono, contra 4,3 trilhões a projetos verdes.
Apesar desses números modestos (sobretudo avaliando que os investimentos iniciais em deslocamento de matriz fóssil para renováveis devem ser altos), a NZBA mostrava ao menos um compromisso de longo prazo dos bancos com a ideia defendida pelos selos verdes do mundo corporativo. Com seu fim, novamente a responsabilidade recai sobre os governos e o desafio de regulamentação do setor de renováveis, o que não tem expectativas de acontecer na conjuntura atual.
O efeito sobre os investimentos das companhias
Diante do quadro de enfraquecimento da transição energética e das taxas ainda altas de inflação e juros que respectivamente tornam o petróleo mais atrativo (maiores retornos de receita e renda) e o custo de renováveis maiores, as principais empresas de petróleo e gás do mundo estão reduzindo os investimentos em renováveis em favor de exploração de novos poços. É a aplicação do pedido de Trump no "drill, baby drill".
Em parte, isso não espelha somente os incentivos econômicos como também a reorientação de diversos governos que por questões geopolíticas não desejam ficar dependentes da volatilidade dos preços de petróleo no mercado internacional, além de enxergarem questões de segurança energética por trás do apoio ao setor de petróleo e gás.
Nos planejamentos estratégicos de algumas grandes empresas já há expressamente a preocupação com a transição energética mais lenta que o esperado e com o que fazer para compensar o tempo perdido com a priorização de plantas verdes em detrimento de óleo e gás. Na maioria desses planos, há aumento de demanda esperada por combustível fóssil nos próximos anos de em média 5% ao ano, como reação à transição mais lenta.
Nos últimos relatórios de resultados, as companhias condicionam o lucro esperado às buscas por novas reservas de petróleo e gás natural. A BP cita aumentos da efetividade da exploração e o desejo de perfurar 40 poços nos próximos 3 anos. A Chevron planeja aumento do investimento em xisto, a constituição de 11 milhões de novos acres de exploração e uso de inteligência artificial para implantação de novas tecnologias sísmicas e submarinas.
A Exxon divulgou a celebração de recente acordo para estudos na Líbia e a retomada depois de décadas de operações exploratórias no Mar do Caribe. A Total destaca a obtenção de novas licenças de exploração nos EUA, Argélia e Sudoeste asiático.
Em se confirmando a tendência, com ajuda dos ventos da geopolítica, nos próximos anos a composição do investimento no setor de energia sofrerá alterações ainda mais acentuadas na direção do crescimento do foco em combustíveis fósseis.