
Potencial do resíduo orgânico urbano para o biometano no RJ
Opinião
Potencial do resíduo orgânico urbano para o biometano no RJ
Dados da Prefeitura registram que em 2024 foram coletados no município 725.620 t de resíduos orgânicos urbanos. Se adotarmos como premissa um rendimento do biometano obtido através de lixo orgânico de 400 m³/ton, a cidade poderia produzir no total 290,24 milhões de m³/ano de biometano

Coautora: Beatriz de Almeida Alves de Brito*
Um dos maiores desafios ambientais dos centros urbanos é a gestão dos resíduos, em particular, a dos resíduos orgânicos. No Brasil, ainda não existe uma política acerca da reciclagem dos resíduos orgânicos, que em geral são levados para aterros sanitários. Entretanto, a deposição de resíduos orgânicos em aterros tem impactos ao meio ambiente importantes, devido à geração de chorume e, principalmente, às emissões fugitivas de metano.
Além disso, os aterros sanitários geralmente são afastados das grandes cidades, onde a maior parte do lixo é gerada. O transporte dos resíduos por dezenas de quilômetros contribui para o aumento da pegada de carbono do lixo da cidade. As emissões no transporte se somam às emissões de metano associadas à biodigestão natural dos resíduos.
A União Europeia vem atacando essa questão através de uma proposta de economia circular para resíduos orgânicos urbanos, visando diminuir as emissões de carbono urbanas. Para auxiliar no alcance desse objetivo, o Parlamento Europeu aprovou a resolução de 10 de fevereiro de 2021 que trata do novo plano de ação para a implementação da economia circular (European Parliament, 2021).
Entre os pontos abordados, estavam as metas de reciclagem, as estratégias de redução de resíduos e a diminuição do uso de plásticos de uso único. A diretiva (UE) 2018/850 sobre aterros sanitários, também foi mencionada no contexto dessa estratégia, pois uma das metas dessa diretiva é reduzir o envio de resíduos orgânicos para aterros a não mais de 10% até 2035.
Ao promover essas propostas, a União Europeia está buscando uma melhoria na saúde ambiental e humana, uso sustentável dos recursos naturais além de uma maior eficiência energética.
Seguindo nesse mesmo conceito de gestão consciente do lixo urbano, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima propôs, através de uma consulta pública realizada fevereiro e março passados, o “Plano Nacional de Redução e Reciclagem de Resíduos Orgânicos Urbanos” (Planaro)[1]. Ele foi desenvolvido pelo ministério em parceria com o Instituto Pólis, com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e com a Waste and Resources Action Programme (WRAP) (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, 2025).
O princípio fundamental do plano é que nenhum resíduo orgânico compostável seja destinado a aterros sanitários ou lixões. Sendo seus principais objetivos a prevenção do desperdício de alimentos, o incentivo à compostagem e a promoção da reciclagem de resíduos orgânicos.
Esses objetivos visam contribuir para a eliminação dos lixões, a redução das emissões de metano, a transição energética pelo aproveitamento energético do biogás e o fomento à agricultura urbana e periurbana, além de promover a inclusão socioprodutiva das organizações de catadoras e catadores de materiais recicláveis na geração de benefícios à biodiversidade e ao controle de doenças e zoonoses (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, 2025).
O Planaro surge como um plano estratégico que segue as diretrizes e objetivos estabelecidos na Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei nº 12.305/2010 (Brasil, 2010), e seu decreto regulamentador, Decreto nº 10.936/2022. A junção de ambas as políticas forma o arcabouço legal que ampara e direciona as ações para a gestão adequada dos resíduos orgânicos no país.
Essas medidas e políticas são de extrema importância para as grandes cidades e, em particular, o Município do Rio de Janeiro, já que, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG)[2], os resíduos são responsáveis por 42,6% das emissões de gases de efeito estufa totais do município, que atingiu 5,64Mt de CO2 equivalente em 2023.
Gráfico 1 - Emissões no município do Rio de Janeiro - 2023
Fonte: Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG)
A principal fonte de emissões associadas à resíduos são as emissões após a disposição final. No caso dos resíduos sólidos são principalmente emissões de metano que ocorrem em aterros sanitários. O gráfico 2 abaixo mostra que estas emissões estão aumentando nos últimos anos.
Gráfico 2 - Emissões do setor Resíduos por categoria emissora (MtCO2e)
Fonte: Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG)
De acordo com a prefeitura do Rio de Janeiro, em 2024 foram coletados no município 725.620 toneladas de resíduos orgânicos urbanos. Se adotarmos como premissa um rendimento do biometano obtido através de lixo orgânico de 400 m3/ton[3], a cidade poderia produzir no total 290,24 milhões m³/ano de biometano. Em um cenário de coleta seletiva de 40% dos resíduos sólidos orgânicos urbanos, o potencial de geração de biometano poderia alcançar 116,1 milhões de m³/ano (ou 318 mil m³/dia).
A coleta seletiva de lixo orgânico urbano tem o potencial de contribuir de forma significativa para a oferta de biometano na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Uma vantagem desta abordagem é a possibilidade de se planejar centrais de biodigestão localizadas próximas à rede de distribuição de gás da cidade, o que facilita o aproveitamento deste gás, com baixo custo de transporte.
Assim, tendo em vista o interesse da política pública nacional de reduzir o envio de resíduos sólidos orgânicos urbanos para aterros sanitários, e o grande volume destes resíduos no município do Rio de Janeiro, é fundamental o engajamento das autoridades locais na realização de estudos sobre a viabilidade técnica e econômica da coleta seletiva destes resíduos e do investimento em plantas para produção de biometano na cidade.
Existe inclusive a possibilidade de atração de investimentos privados através de concessões com benefícios ambientais, sociais e econômicos para a Cidade. Assim, é fundamental o engajamento de todas as esferas de governo em parceria com a iniciativa privada para buscar caminhos para a transição energética.
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*Beatriz de Almeida Alves de Brito é estagiária de pesquisa no Instituto de Energia da PUC-Rio e graduanda em bacharel em Ciências Biológicas pela PUC-Rio.
[1] Confira em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/consulta-plano-nacional-de-residuos-organicos-urbanos
[2] Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) https://plataforma.seeg.eco.br/territorio/rj-rio-de-janeiro
[3] Uma média da faixa indicada pela International Energy Agency no Outlook for Biogas and Biomethane 2025.