Mudanças climáticas e modelagem de vazões

Opinião

Mudanças climáticas e modelagem de vazões

Há muita discussão se os modelos matemáticos utilizados no planejamento da operação do SIN subestimam ou não a probabilidade de futuras secas, com consequências sobre as relações comerciais entre agentes do setor e sobre os investimentos

Por Jerson Kelman

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Esta é uma breve visão pessoal de como chegamos até aqui. Em 1976 ingressei no Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), me juntando a uma qualificada equipe de pesquisadores. Nossa tarefa era desenvolver modelos matemáticos para otimização e simulação do Sistema Interligado Nacional - SIN.

Inicialmente optamos por modelos probabilísticos do tipo estacionário-markoviano. São modelos que procuram imitar a maneira aleatória como a Natureza “sorteia” futuras vazões mensais afluentes às usinas hidroelétricas, assumindo que as regras probabilísticas não mudam com o passar dos anos (hipótese de estacionariedade), e que cada sorteio depende apenas da situação presente; não do passado.

Notamos que essa modelagem subestima a persistência das vazões agregadas na escala anual, observada nos registros históricos de vazões. Ou seja, ao agregar as vazões mensais produzidas pelo modelo mensal (AR1) em vazões anuais, observava-se menos episódios de anos consecutivos de seca do que o registro histórico mostrava. Era um indício de que o planejamento energético poderia estar sendo feito com base numa visão otimista do futuro - muita água chegando às usinas hidroelétricas -  que seria indutora de decisões equivocadas no presente.

Enfrentamos o problema combinando um modelo estacionário-markoviano na escala anual, capaz de capturar a persistência interanual, com um modelo de desagregação para transformar as vazões sintéticas anuais em mensais. Porém, essa abordagem era incompatível com o algoritmo de otimização da operação na escala mensal.

Uma alternativa intermediária, adotada até hoje, foi manter a modelagem na escala mensal, porém aumentando a “memória”. Ou seja, fizemos a suposição que a distribuição de probabilidades das vazões no mês t não depende apenas da vazão observada em t-1, mas também das vazões observadas em t-2, t-3... t-p (modelo ARp).

Atualmente essa aproximação tem se revelado cada vez menos satisfatória devido à não-estacionariedade causada pelas mudanças climáticas. Para cada grau Celsius de aquecimento global, aumenta em 7% a quantidade de água retida na atmosfera. Significa que a atmosfera está ficando mais “sedenta”, o que explica a ocorrência de secas mais frequentes e intensas.

Por outro lado, em situações de instabilidade atmosférica, a maior quantidade de água existente na atmosfera despenca abruptamente, o que explica a ferocidade das enchentes.

O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) tem definido “parâmetros de aversão ao risco” para contrabalançar o otimismo do modelo em uso. Todavia, como essas adaptações são arbitrárias, costumam criar conflitos entre os que são beneficiados e os que são prejudicados. Melhor seria avançar por outros caminhos.

Por exemplo, usar Inteligência Artificial para combinar a modelagem probabilística com Modelos Globais de Circulação - MGCs, que utilizam as leis fundamentais da física. Como os MGCs fazem projeções de temperatura, padrões de vento e precipitações já considerando os efeitos do aquecimento global, são intrinsicamente não estacionários. Para quem quiser saber mais sobre essa possibilidade, recomendo leitura do Energy Report 222, da PSR.

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