Descomissionamento social na Indústria de Petróleo – Caso Aberdeen

Opinião

Descomissionamento social na Indústria de Petróleo – Caso Aberdeen

O Mar do Norte merece ser referência para reflexão quanto às políticas públicas no Brasil em regiões com potencial declínio. A descontinuidade das receitas de royalties e participações, associada à desmobilização econômica e de empregos, poderá se transformar em tragédia para muitas regiões

Por Wagner Victer

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Dizem que um sapo, quando colocado em uma panela e levado ao fogo, morrerá sem reagir, pois não conseguirá perceber o aumento da temperatura até a fervura: o processo de mudança nem sempre é percebido quando se está inserido no contexto.

No início do mês de setembro, estive participando da SPE Offshore Europe, em Aberdeen, Escócia (UK), um dos mais tradicionais eventos da indústria de petróleo na Europa. Ocorre nos anos ímpares em Aberdeen e, nos anos pares, na Noruega, na cidade de Stavanger, também na região petrolífera do Mar do Norte.

A primeira vez que participei deste evento foi há cerca de 30 anos e, como já estava há 10 anos sem participar, diferente do sapo, me senti entrando na fervura!

O declínio da produção do Mar do Norte, que já produziu 4,4 milhões de barris/dia para algo, atualmente, de 1 milhão de barris/dia, tem criado um sentimento notável no evento, com reflexos já bastante sensíveis no cotidiano da tradicional cidade escocesa, que outrora pulsava como a Silver City by the Sea.

O início das atividades de desenvolvimento de petróleo no Mar do Norte remonta ao final da década de 1960 e coincide com nossas descobertas marítimas e o próprio início da Bacia de Campos. A estratégia adotada para o desenvolvimento serviu de exemplo para o mundo pois, tanto do lado do Reino Unido (UK) como também pela parte norueguesa, o conceito de “conteúdo local” se consolidou fortemente como política pública. 

No Reino Unido, a criação do OSO (Offshore Supplier Office’s) promoveu medidas contundentes que desenvolveram fortemente a indústria local nas últimas décadas, como bem apresentado no excelente livro de Jeremy Cresswell, ABZ and Big Oil - 50 Years of Black Gold of Silver City.

Na mesma linha, a Noruega adotou medidas importantes que levaram à criação de empresas globais, como a própria Aker Kværner, que derivou do segmento pesqueiro. Seu fundador, Inge Rokke, até hoje gosta de ser chamado de “fisherman”. Já o fundo soberano norueguês elevou o país a um outro patamar econômico.

Mas voltando ao presente: o fato que ficou evidente é que o modelo de transição energética ali adotado não foi de resultado todo positivo; ou seja, não foi plena a transição social e econômica, em especial para as populações e empresas locais que cresceram em função da indústria do petróleo e que hoje, em grande parte, perderam seu horizonte.

O esvaziamento percebido no evento, não só de expositores, mas também do público, em especial de jovens atentos para o setor, saltou aos meus olhos. As conversas paralelas eram de grande frustração e até de indignação, pois o nirvana econômico prometido com a transição energética, em especial através dos aerogeradores como paliteiros na costa, não se realizou. Por exemplo, desde o começo do ano, 37% da geração eólica offshore escocesa foi alvo de curtailment: as usinas ficaram paradas sem gerar. Diante desse prejuízo, os novos projetos de geração renovável seguem congelados.

Não só os hotéis já ficam vazios, mas o próprio movimento do Porto de Aberdeen, outrora pulsante, chama a atenção por sua reduzida atividade. Da mesma forma, a política adotada, em especial pelo governo do UK, faz com que a indústria do petróleo tenha sido, de alguma forma, “demonizada”, ao ponto de representações consulares ao longo do mundo serem praticamente vedadas de realizar ações que promovam parcerias para realizar missões com outros países que se relacionem com energias fósseis, além daquelas voltadas às atividades de descomissionamento.

Os poucos projetos em desenvolvimento, como o de Rosebank no Mar do Norte, no lado do UK, têm polêmica ambiental de tal forma que a operadora que segue tendo disposição para realizar é a Equinor, possivelmente a operadora mais resiliente ao tema na região. A Equinor tem sua sede em Stavanger.

Na mesma linha, o princípio de “oil out” permeia os discursos institucionais e até questões simbólicas, como a própria mudança do nome do órgão regulador, o equivalente britânico à ANP, para NSTA (North Sea Transition Authority), substituindo a expressão “petróleo” por “transição energética”, sendo um sinal claro do apagamento. 

Aliás, nesse sentido, pude observar o surgimento de instituições interessantes ao tema da transição, como o NZTC (Net Zero Technological Center), que consolida e coordena, de forma matricial, mais de uma centena de projetos locais.

Já do lado norueguês, não obstante a histórica sensibilidade ambiental, podemos perceber que o planejamento continua firme, não adotando questões tão reativas, até pela já elevada utilização, na matriz, de fontes renováveis - aliás, uma das maiores do planeta -, o que permite ações mais pragmáticas na questão da energia fóssil. 

Isso se percebe até na forma como se relacionam com suas políticas internas e próprias empresas. Certamente, essa referência será sentida na maior participação do evento que acontecerá em 2026 em Stavanger, como pude constatar em conversas com o CEO da ONS Foundation, organizadora do evento norueguês, Leif Sevland, que conheço de longa data, desde quando foi prefeito de Stavanger e quando, no passado, estabeleceu relações de parcerias com o Rio de Janeiro.

O fato é que, nas chamadas conversas nos stands e com diversos agentes empresariais, há um grande incômodo e até um sentimento de indignação. A crença de que a transição energética seria acompanhada de políticas públicas objetivas para a migração de empregos e abertura de novos mercados para as empresas tem sido frustrada.

Em conversas com Gordon McIntosh, chairman da AIA (Aberdeen International Foundation), que conheço há 25 anos, ficou patente a necessidade de que empresas desenvolvidas em função das políticas de conteúdo local aplicadas nos últimos 50 anos têm sua sobrevivência ameaçada. É, portanto, fundamental estabelecer parcerias com países onde ainda existem fronteiras a desenvolver, como o Brasil.

Nesse sentido, e até como oportunidade, estabelecemos contato para que, através da AIA, no primeiro trimestre de 2026, seja realizada uma missão ao Brasil, já em articulação através da Onip e da Firjan.

Esse processo fez com que a produção de petróleo no Mar do Norte, que gravitou grande aceleração na década de 1990, hoje esteja da ordem de somente 1 milhão de barris/dia, o equivalente ao que o campo de Búzios, sozinho, produzirá no fim de 2025. A situação se estressa com o descomissionamento dos sistemas de produção.

O cenário ainda não pode ser considerado desolador como no filme “Full Monty” - no Brasil lançado com o título “Tudo ou Nada” – mas já apresenta a situação social crítica de uma cidade após a desmobilização de uma siderúrgica no período Thatcher.

O paralelo e as observações vindas de Aberdeen lançam um relevante sinal de alerta quanto aos discursos que consideram premente a desmobilização da produção de petróleo no Brasil, sem avaliar as gravíssimas consequências econômicas e sociais que teríamos que enfrentar.

Dessa maneira, acelerar a exploração de novas fronteiras no país, como a Margem Equatorial e a Bacia de Pelotas, ao mesmo tempo que se revitalizam áreas maduras, como a Bacia de Campos, é fundamental para postergar esse descomissionamento social.

Portanto, essa situação do Mar do Norte merece ser referência para reflexão quanto às políticas públicas no Brasil, não só em regiões com potencial declínio, mas, em especial, às restrições ao desenvolvimento de novas fronteiras para a produção de petróleo no Brasil que poderiam retardar os impactos do descomissionamento econômico e os consequentes impactos sociais. Os obstáculos à Margem Equatorial são apenas a ponta do iceberg.

Destaca-se também, nesse processo dos potenciais impactos, o pagamento de royalties e participações que, ao contrário de alguns países, se transformaram em uma das principais fontes de arrecadação de muitos Estados e Municípios. A descontinuidade dessa receita, associada à desmobilização econômica e de empregos, poderá se transformar em tragédia para muitas regiões.

Esse, certamente, é um discurso perigoso: que o Brasil, que é um dos líderes mundiais de utilização de energias renováveis e que só emite cerca de 1% das emissões de origem fóssil no mundo, possa se contaminar por uma narrativa de transição energética abrupta, como se fôssemos devedores, e não em um processo de substituição energética, de forma justa e em bases econômicas sustentáveis para a sociedade brasileira, em especial diante da pobreza energética que ainda impera em nossa sociedade.

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