
A superação da pobreza energética no Brasil e o meio ambiente
Opinião
A superação da pobreza energética no Brasil e o meio ambiente
Renunciar a qualquer fonte energética em um país que exibe Consumo Energético Per Capita 3,5 vezes inferior ao de países mais avançados significa abrir mão de empregos, riqueza e renda e gerar mais GEE, em uma autofagia econômica, tecnológica e ambiental

Dentro dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) da ONU, também conhecidos como Agenda 2030, criados em 2015, poucos se atentam que o ODS 1 é a “erradicação da pobreza”. E que não foi por acaso, pois se espera que todas as políticas públicas voltadas aos ODS nunca percam essa referência como uma das principais metas de uma sociedade contemporânea justa.
O ODS 1 reconhece que a erradicação da pobreza está diretamente interligada a diversos fatores, como fome, acesso à educação, saúde e obviamente a energia a um preço justo que caminhe contrário à exclusão social e econômica.
No Brasil, cada vez mais o conceito de “pobreza energética” começa a ser discutido, em especial em momentos que se acirram discussões, também legítimas, da colocação de restrições do desenvolvimento de fontes energéticas convencionais que estão ao acesso em bases justas por países onde essa pobreza se consolida.
No país, ao longo das últimas duas décadas, foram desenvolvidos importantes programas para o maior acesso à energia na busca da redução de baixo consumo per capita, como o programa Luz para Todos, as Tarifas Sociais para diversos energéticos e o programa Gás para Todos. No caso do acesso à energia elétrica, os esforços de busca da universalização fizeram com que, já em 2019, tivéssemos 99,8% da população atendida em suas residências.
Associada a esses programas, uma das ações mais importantes para orientação de políticas públicas foi a criação do Observatório Brasileiro de Erradicação da Pobreza Energética, conhecido como Obepe, coordenado atualmente pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE.
O Obepe mapeia e monitora indicadores socioeconômicos e de consumo, faz comparativos por regiões e com outros países e ajuda a criar políticas públicas mais eficazes. Portanto deve ser fortemente considerado em outras políticas públicas em discussão no Brasil como o chamado Plano Clima.
O Obepe, que vale ser visitado no site da EPE também mostra:
• Dados detalhados sobre o consumo energético das famílias brasileiras;
• Mapas das regiões mais afetadas pela pobreza energética;
• Análise de políticas públicas que funcionaram em outros países.
• Recomendações para ações no Brasil focando em energias que ao mesmo tempo sejam sustentáveis e acessíveis.
De acordo com a EPE, entre 2000 e 2019 os 12 países com maior consumo energético per capita (CEPC) residencial registraram indicadores em média 3,5 vezes maiores que o Brasil. Isso revela a demanda nacional reprimida de serviços energéticos modernos. Hoje, o CEPC residencial brasileiro (0,126 tep per capita) é cerca de sete vezes menor que o do Canadá (0,889 tep per capita) e figura entre os mais baixos da amostra.
Se o objetivo é convergir para padrões de bem-estar compatíveis com o desenvolvimento - conforto térmico, mais eletrodomésticos, qualidade de iluminação - será inevitável elevar o consumo moderno por habitante, não apenas redistribuir o que já existe.
A composição do uso final reforça esse diagnóstico. Embora a eletricidade já represente aproximadamente 45% da energia residencial, o Brasil exibe CEPC para refrigeração de ambientes abaixo da média da IEA e até inferior ao de países mais frios, sinal claro de demanda reprimida.
Ao mesmo tempo, a cocção concentra 52% de toda a energia do setor, majoritariamente atendida por lenha e GLP. Migrar essa parcela para fontes modernas (eletricidade, GLP, gás natural e solar térmica) e abrir espaço para refrigeração e iluminação adequadas exige expandir a oferta de energia confiável, contínua e a preço justo - geração, redes e infraestrutura de gás - além de manter políticas de eficiência que evitem que o aumento de consumo se converta em desperdício.
Essa discussão da redução da pobreza energética ganha novos contornos quando movimentos desconsideram algumas fontes, em especial as fósseis, que são o melhor caminho para subsidiar essa transição de forma equilibrada e justa. Esses grupos afirmam que tais fontes deveriam ser descontinuadas ou freadas de forma abrupta, quando parecem desconhecer que o Brasil só emite 0,7% das emissões globais da origem fóssil e que, na verdade, a maior fonte de emissão no país são as queimadas e desmatamentos criminosos.
Junta-se a essa confusão de vetores dispersos a desconsideração do importante conceito da Segurança Energética Brasileira, até porque, segundo dados publicados, também pela EPE, com a não incorporação de novas reservas para produção como a Margem Equatorial, o Brasil voltaria a importar petróleo em menos de 10 anos, perdendo a autossuficiência estratégica obtida com muita luta.
Além disso caminharíamos para consumir um petróleo importado que é produzido com um nível de emissão de CO2 por barril muito superior ao petróleo aqui produzido no Brasil.
Ou seja: com tais movimentos perderíamos uma fonte de geração de empregos, riqueza e até de renda para estados e municípios por royalties e participações e ainda contribuiríamos para uma maior emissão global em uma autofagia econômica, tecnológica e até ambiental.
Dessa forma, o conflito de políticas públicas não associada sem uma visão ampla e sinérgica poderia gerar uma reação onde todos perdem: o clima, o emprego, a tecnologia nacional e, principalmente, levaria a uma situação de agravamento de pobreza energética nacional e o surgimento de riscos estratégicos de segurança nacional imensos diante dos novos movimentos da geopolítica mundial, onde a questão energética tem sido elemento central.