
O museu norueguês e o possível futuro brasileiro do PD&I
Opinião
O museu norueguês e o possível futuro brasileiro do PD&I
Uma análise sobre o papel da pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) impulsionadas pela indústria de petróleo. Modelos de sucesso como o da Noruega e os avanços no Brasil destacam a importância dos consórcios entre universidades e empresas, a formação de talentos e deeptechs para a criação de soluções inovadoras e a reindustrialização do país

Na orla de Stavanger, na Noruega, em meio a edifícios de arquitetura tradicional, ergue-se o futurista Museu de Petróleo Norueguês. Logo na entrada, uma placa apresenta os patrocinadores: empresas produtoras de petróleo, prestadoras de serviços e companhias que nasceram pequenas, mas cresceram junto com a expansão da indústria nacional. Dentro do museu, uma linha do tempo mostra a trajetória do país: de simples exportador de peixe e um dos piores IDHs da Europa, a potência global com qualidade de vida invejável e um dos maiores fundos soberanos do mundo.
Réplicas de equipamentos (alguns em tamanho real), miniaturas de sistemas de produção e até uma estação de trabalho de plataforma retratam essa história. Até os acidentes estão registrados, como memória para fortalecer a cultura de segurança e eficiência.
Poucos quilômetros adiante, encontram-se a Universidade de Stavanger, o centro de pesquisas Norce - que opera uma plataforma de perfuração dedicada a estudos entre outras infraestruturas -, a diretoria de petróleo da Noruega (análoga à nossa ANP) e um polo de startups em ambiente colaborativo. O modelo se repete em Trondheim, onde a NTNU e o Sintef se integram em projetos que geraram empresas e softwares de uso global na indústria.
Hoje, inclusive, companhias brasileiras participam de Joint Industrial Projects (JIPs) no Sintef em parceria com universidades e startups. Em Oslo e Porsgrunn, o mesmo ocorre com o centro de pesquisas IFE e as universidades locais que, junto às empresas, desenvolvem tecnologias incorporadas aos equipamentos e sistemas da exploração de petróleo.
Esse ecossistema só se consolidou porque a Noruega estabeleceu a obrigatoriedade de investimentos em pesquisa vinculados à produção de petróleo. Essa política resultou na formação de profissionais qualificados em vários níveis, em uma educação básica de excelência, no fortalecimento de universidades e centros de pesquisa e no surgimento de startups que se tornaram multinacionais. Hoje, a mesma infraestrutura e capital humano atuam em novas frentes, como projetos de CCUS (exemplo: Northern Lights, o maior do mundo), combustíveis alternativos e tecnologias para produção e armazenamento de hidrogênio.
Nos EUA, os consórcios de pesquisa também se mostraram fundamentais. Desde os anos 1960, empresas como Exxon, Chevron, SLB, Halliburton e Baker Hughes investem, com recursos próprios, em parcerias com universidades. Muitas inovações e empresas nasceram dessas iniciativas.
Na Europa, grandes consórcios integram empresas, universidades, centros de pesquisa e startups em áreas como CCUS, combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) e transição energética.
Esses projetos têm objetivos claros, atuam em diferentes níveis de maturidade tecnológica (TRLs) e geram um ciclo virtuoso: formação de profissionais, criação de startups, fortalecimento da indústria e reinvestimento em novas pesquisas.
O Brasil, após o fim do monopólio e a criação da ANP, adotou um modelo semelhante. A cláusula de P,D&I nos contratos de exploração e produção financiou o Cenpes, impulsionou a construção de laboratórios e centros de pesquisa, além de programas de formação como o PRH-ANP. A partir do fim da década de 2010, a ANP ampliou os temas contemplados, incluindo energias renováveis, bioenergia e transição energética, o que fortaleceu ainda mais a posição brasileira, especialmente em bioenergia.
Apesar dos avanços e do volume expressivo de investimentos - que chega a bilhões anuais -, dois pontos ainda são frágeis:
- A integração entre empresas de serviços, ICTs e startups, fundamental para gerar inovação aplicada.
- A criação de deeptechs e novas startups, capazes de ampliar a cadeia de fornecedores nacionais, gerar empregos, desenvolver tecnologia e fomentar conteúdo local.
Iniciativas como o PRH-Empreendedorismo, o Nave/ANP, o Enfuse (Unicamp/Petrobras), entre outras, buscam estimular o empreendedorismo tecnológico no setor energético. No entanto, é preciso avançar mais. A discussão atual da ANP sobre a revisão do regulamento técnico de P,D&I abre oportunidade para melhorias. É fundamental:
- Desburocratizar a aplicação de recursos, nos moldes do que já fizeram Capes, CNPq e Fapesp;
- Padronizar processos e regras entre empresas financiadoras, assegurando agilidade com regras claras e mantendo elevado nível integridade;
- Criar projetos estruturantes, nos moldes do Procap, por exemplo, com ICTs, startups e grandes empresas atuando em conjunto em todas as fases de TRL;
- Fortalecer o ensino de empreendedorismo nas universidades, para estimular a criação de novas empresas que aproveitem esses recursos e aumentem a empregabilidade de mestres e doutores, sendo a cola necessária entre as ICTs e as grandes empresas;
- Incentivar a participação ativa das empresas de serviços em consórcios com ICTs e startups quando do uso de recursos das cláusulas de P,D&I.
Temos os recursos, o petróleo seguirá relevante por décadas e a produção da margem equatorial trará novas oportunidades. Cabe a nós aprender com os bons exemplos, aperfeiçoar o que já funciona, corrigir o que for necessário e criar inovações que impactem positivamente a sociedade brasileira.
Como já me foi dito por colegas da Petrobras: produzir petróleo no pré-sal é comparável, em termos tecnológicos, a levar o homem à Lua. Se fomos capazes de fazer isso e somos reconhecidos mundialmente, podemos fazer muito mais!