Opinião

Desafios no Setor Marítimo: Combustíveis, Tecnologia e Logística

A indústria marítima está diante de um novo desafio em sua história: promover a transição para combustíveis de baixo carbono em um cenário de pressões regulatórias, incertezas tecnológicas e limitações logísticas

Por Marcus D'Elia

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No centro dessa transformação está a busca por fontes de energia que possam substituir o óleo combustível e contribuir para a redução das emissões de gases do efeito estufa. Ainda que os objetivos estejam claros, como os compromissos da IMO (International Maritime Organization) para 2030 e 2050, o percurso até sua concretização envolve um conjunto complexo de decisões técnicas e estratégicas, limitadas por estas condições regulatórias.

Os novos combustíveis marítimos

O óleo combustível pesado (HFO) possui hoje um número significativo de alternativas. As possibilidades em discussão - como gás natural liquefeito (GNL), metanol, amônia, hidrogênio, biodiesel e até mesmo propulsão elétrica para embarcações de pequeno porte - apresentam diferentes níveis de maturidade tecnológica, impactos ambientais e viabilidade econômica. A falta de convergência para um padrão global dificulta o avanço em direção a soluções definitivas.

O GNL é atualmente uma das opções para transição mais consolidadas, especialmente por sua aplicação em navios gaseiros e por atender às exigências atuais de controle de emissões. Reduz significativamente os poluentes atmosféricos (SOx, NOx e material particulado), mas tem impacto limitado na redução de gases de efeito estufa (entre 10% e 20%), devido ao deslizamento (escape) de metano.

O biodiesel é uma alternativa viável e compatível com os motores existentes. É isento de enxofre, biodegradável e pode reduzir as emissões de GEE de 55% até 90%, dependendo da matéria-prima. Ainda assim, enfrenta limitações relacionadas à escala de produção e logística do produto.

O metanol pode ser um combustível promissor no médio prazo. Apesar de inflamável e tóxico, possui padrões de manuseio bem definidos. Seu potencial de redução de GEE está entre 50% e 70% se produzido com tecnologias de captura e armazenamento de carbono. Além disso, é compatível com as motorizações existentes através de adaptações relativamente simples.

A amônia (NH₃) é uma opção inovadora: não emite CO₂ na combustão e pode atingir até 70% de redução de GEE, desde que sua produção incorpore captura de carbono. Contudo, apresenta alta toxicidade e desafios de segurança operacional importantes, especialmente em ambientes confinados a bordo.

O hidrogênio, apesar de não emitir CO₂, ainda enfrenta barreiras como armazenamento complexo e produção verde limitada, sendo considerado uma solução de longo prazo.

Maturidade das tecnologias de motorização

A viabilidade dos novos combustíveis está diretamente ligada à maturidade das soluções de motorização e aos custos envolvidos na adaptação da frota. O GNL já conta com motores de combustão interna (ICE) consolidados e em uso há décadas em navios gaseiros. No entanto, a conversão de embarcações existentes para GNL ainda é complexa e cara, com custos de retrofit que podem chegar a 900 dólares por kW.

O biodiesel, por sua vez, é a solução mais simples e de menor custo. Pode ser usado em mistura com o óleo combustível nos motores atuais com pouca ou nenhuma modificação, o que elimina barreiras técnicas relevantes e reduz os investimentos necessários.

O metanol também apresenta alta maturidade técnica. Os motores ICE a metanol já estão disponíveis comercialmente e a conversão de motores convencionais é viável, com custo estimado em cerca de 328 dólares por kW - um dos mais baixos entre as opções emergentes.

A amônia ainda não conta com motores ICE amplamente comercializados e permanece como uma tecnologia emergente, com custos de retrofit intermediários e desafios técnicos e de segurança operacional para armazenagem em embarcações.

Soluções baseadas em células de combustível a hidrogênio, como as do tipo PEMFC e SOFC, apresentam desempenho ambiental superior, mas têm custos muito elevados, alcançando de 6 a 15 vezes o custo de motores ICE, tornando-se uma opção de longo prazo. Estas motorizações também apresentam atualmente um ciclo de vida entre 7 e 12 anos, significativamente inferior aos 30 anos esperados para as motorizações ICE.


Fonte: High-resolution global shipping emission inventory by Shipping Emission Inventory Model (SEIM). Wen Yi , Xiaotong Wang, Tingkun He, Huan Liu , Zhenyu Luo, Zhaofeng , Kebin He1

Fig 1 - Densidade de embarcações nas rotas de navegação internacional no ano de 2021, dados compilados a partir de AIS transponders das embarcações.

Logística e suprimento

Mesmo com a maturidade crescente de algumas tecnologias, a disponibilidade de produto nos terminais marítimos e a infraestrutura logística para suprimento dos novos combustíveis são hoje os principais limites à sua adoção em larga escala.

A adoção de um combustível marítimo alternativo requer o desenvolvimento de cadeias de suprimento regulares, como as existentes para o HFO, atendendo aos diversos terminais marítimos. As refinarias estão amplamente distribuídas no mundo com uma cadeia de suprimento de combustíveis fósseis consolidada.

Cada combustível marítimo alternativo deverá desenvolver sua própria cadeia de suprimento, que requer ativos de armazenagem e transporte especializados e disponibilidade para movimentação regular de produtos em uma ampla distribuição geográfica para atendimento de terminais portuários nos diversos países.

Importante notar que GNL e biodiesel já possuem cadeias de suprimento adequadas às características do uso de combustíveis, com regulação bem definida. No caso de metanol, amônia e hidrogênio, a utilização como combustível não está bem desenvolvida, o que passa pela adequação das cadeias logísticas utilizadas pela indústria química e por criação de regulação específica para este uso.

Os combustíveis alternativos têm como característica a produção concentrada em localizações específicas, com exceção para o GNL, ou em alguns casos com número reduzido de unidades de produção. Além disso, sua adoção exigirá a rápida expansão da capacidade de produção, uma vez que o uso marítimo será uma demanda adicional em relação ao consumo atual destes produtos. Este contexto pressupõe, portanto, o investimento intensivo na instalação/ampliação de unidades de produção integradas às cadeias de suprimento para os terminais portuários.

Do ponto de vista logístico a questão da infraestrutura de armazenagem também se torna relevante, na medida que novos combustíveis marítimos exigem condições de armazenagem distintas do HFO, tanto nos terminais portuários quanto nas embarcações. Estas condições determinadas pelas características físico-químicas dos produtos e a tecnologia das motorizações, exigirá adaptações na infraestrutura, que significa expansão de áreas, novos tanques, novos sistemas de recebimento e abastecimento, novos padrões de segurança operacional, garantindo a convivência do HFO com novos combustíveis marítimos durante um longo período de transição.

Nas embarcações, o desenvolvimento de projetos adaptados aos novos combustíveis é essencial para suportar novas condições de operação, onde as características dos novos combustíveis criam desafios em termos de volume de armazenagem, capacidade de refrigeração ou pressurização e segurança operacional.

Conclusão

Embora o horizonte da descarbonização no transporte marítimo esteja definido por metas internacionais, a estratégia de transição energética será diferente conforme o tipo de aplicação das embarcações.

Na navegação hidroviária, sob regulação nacional e com rotas bem definidas, há maior viabilidade para adoção de soluções locais/regionais para a transição energética de combustíveis marítimos, não havendo necessariamente relação com padrão adotado a nível global.

A cabotagem, conectando portos em distâncias médias, poderá adotar soluções regionais, que deverão conciliar interesses de um conjunto de países, ou mesmo soluções locais em países com grande extensão costeira. No caso da navegação de longo curso, que opera em rotas internacionais com exigência de reabastecimento global e depende de combustíveis com presença internacional garantida, a solução será construída ao longo do tempo considerando principalmente o desenvolvimento tecnológico das motorizações e a disponibilidade de produto nos terminais portuários.

A transição energética no setor marítimo está em curso e será, necessariamente, diversificada, gradual e adaptada às diferentes realidades operacionais e geográficas do setor marítimo. O sucesso desse processo dependerá da interação entre indústria, governos e armadores, refletindo no alinhamento entre investimentos em infraestrutura e regulação.

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