Opinião

O papel do GN na transição energética, no Brasil e na China

Mesmo com a expansão das renováveis, o gás natural continuará mais relevante nas próximas décadas, considerando novos investimentos e a própria composição na matriz. O GN é um combustível de transição ou ficará por mais tempo?

Por Leonardo M. Estrella

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Com o crescimento da demanda energética global e o aumento das pressões pela descarbonização, o gás natural assume uma posição estratégica na transição energética. A depender da trajetória de desenvolvimento industrial e da composição da matriz energética de cada país, o insumo pode desempenhar diferentes funções, atuando como vetor de estabilidade, garantia de abastecimento ou fonte complementar. No caso brasileiro, sua inserção na transição energética é mais complexa, devido às restrições de infraestrutura, agravadas pela atual ausência de autossuficiência na oferta.

O Global Energy Review 2025 (GER), da Agência Internacional de Energia (IEA), divulgado recentemente apontou crescimento de 2,7% no consumo global de gás natural em 2024, superando os níveis pré-pandemia. A China liderou esse avanço, com aumento superior a 7% e acréscimo de 30 bilhões de metros cúbicos. A Ásia concentrou 40% da demanda incremental, com mercados emergentes, como o da Índia, também registrando forte expansão.

O gás natural emergiu como uma fonte de estabilidade na oferta em meio à volatilidade do setor energético. Em contraposição à redução do uso de carvão e petróleo, sua participação cresce nos mercados asiáticos. A combinação entre crescimento econômico, ondas de calor e políticas públicas voltadas à substituição do carvão explica a elevação do consumo na China. Já em países como EUA e membros da União Europeia, a expansão foi mais moderada e concentrada na indústria termointensiva e geração elétrica.

Segundo a GER, estão em construção cerca de 80 mil quilômetros de gasodutos, 41 terminais de exportação e 71 de importação de GNL. No total, os projetos globais somam quase 240 mil quilômetros de dutos e mais de 420 novos terminais de liquefação e regaseificação. Esses números indicam que, mesmo com a expansão das renováveis, o gás natural continuará mais relevante nas próximas décadas considerando novos investimentos e a própria composição na matriz.

Sua ascensão reflete uma dupla posição: é, ao mesmo tempo, a fonte fóssil mais limpa e um recurso abundante que atua como suporte às renováveis intermitentes. Ainda que as fontes solar e eólica cresçam em ritmo recorde, não são suficientes para atender à demanda global. A dúvida do setor permanece, o gás atuará apenas como “combustível de transição” ou manterá papel central na matriz por mais tempo? Até o momento, tudo indica que seguirá sendo aliado das renováveis, tanto como backup na sazonalidade quanto em combinação da infraestrutura e muito mais presente na aplicação considerando suas vantagens funcionais.

A China representa o maior motor de crescimento da demanda por gás natural. Além do aumento no consumo, investe pesadamente em infraestrutura: terminais de GNL, gasodutos e estocagem. A industrialização e a eletrificação - com destaque para a adoção de bombas de calor - impulsionam essa trajetória. Simultaneamente, o país investe em renováveis e tecnologias de armazenamento, buscando reduzir a dependência externa.

O Brasil, por sua vez, possui reservas significativas de gás associado ao pré-sal, mas enfrenta gargalos estruturais. A falta de infraestrutura de escoamento, transporte e distribuição, somada a um modelo regulatório ainda em transição e uma equivocada abertura de mercado, eleva os custos e limita o uso do insumo. O país continua a importar parte da sua demanda (28,63% em 2023), e o preço do gás no mercado nacional está entre os mais altos do mundo.

Nesse contexto, a expansão do GNL se apresenta como alternativa viável, especialmente para abastecimento de regiões isoladas e suporte às crises cíclicas de oferta hídrica. O avanço do biometano, diante do grande potencial de geração nacional por dejetos de animais, ampliaria as possibilidades de um modelo de atendimento de demandas locais contando com o GNL como alternativa de suporte à sazonalidade na geração desse tipo renovável de energia.

Considerando ainda que o Brasil é um país com vocação predominantemente petroleira, com menor complexidade industrial que a China e possui uma matriz referência mundial na geração de energia elétrica por meio de fontes limpas, o maior desafio estaria em equilibrar o uso do gás como apoio à transição em projetos e investimentos e também na oferta sazonal e complementar.

A disputa por capital é intensa e, diferentemente da China - onde o gás substitui o carvão -, no Brasil ele concorre com o GLP, óleos combustíveis, gasolina, etanol e diesel em segmentos diversos. A expansão das redes de distribuição ao longo da costa Atlântica reforça esse cenário competitivo entre fontes, ao mesmo tempo em que isola espaços mais a oeste.

Ou seja, o relatório da IEA evidencia que, apesar do crescimento do gás natural, sua trajetória não é linear. O avanço das energias renováveis, a pressão por descarbonização e a volatilidade dos preços globais criarão desafios e oportunidades distintas para cada país.

Na China, o gás desempenha um papel importante na descarbonização gradual, mas pode perder espaço com o maciço investimento em renováveis e em infraestruturas de armazenamento de energia.

No Brasil, a questão central é como integrar o gás a uma matriz já majoritariamente renovável sem criar dependências que comprometam a garantia de oferta e aplicação em larga escala em um território também continental e majoritariamente urbano.

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Leonardo Mosimann Estrella é pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) na área de Gás Natural e Fertilizantes. É administrador e discente em ciências econômicas pela UFSC e mestre e doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Udesc.

 

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