Opinião

O potencial da produção de gás nas bacias terrestres

Ao contrário do gás offshore, injetado em mais da metade da sua produção por falta de infraestrutura de escoamento, o gás produzido em terra oferece inúmeras oportunidades de aproveitamento

Por José Almeida dos Santos

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Coautores: Kazumi Miura, Normando Lins e Bruno Leonel

Comparada com a história da indústria de petróleo americana e russa, datada de meados do século XIX, a trajetória da indústria brasileira é relativamente recente. O primeiro poço descobridor de petróleo no Brasil foi perfurado em 1939, na Bacia do Recôncavo, seguido da descoberta de vários campos, começando com o Campo de Candeias, em 1941. A Petrobras foi criada em 1953 para ser a gestora desse setor e acho que o fez com grandes méritos. A exploração se espalhou para todo o Brasil e, já em 1963, foi descoberto o campo de Carmópolis, na Bacia de Sergipe, um dos maiores campos terrestres do país, produzindo até hoje. Em 1979, houve a descoberta de petróleo na Bacia Potiguar.

Em 1998, pelo Decreto nº 2.455 e a criação da ANP, foi retirada, da Petrobras, parte dos diretos e obrigações do monopólio. E mais recentemente, por questões estratégicas, a Petrobras resolveu vender, praticamente, todos os campos terrestres de óleo e gás. Com a atração de novas empresas, o setor se tornou mais competitivo, seja pela possibilidade de aumentar o fator de recuperação em reservas já existentes, seja com novas descobertas. Assim, uma nova fase de exploração e produção de petróleo em terra se iniciou no Brasil.

O país tem hoje reservas terrestres da ordem de 500 milhões de barris de óleo e pouco mais de 140 bilhões de m3 de gás, volumes pouco expressivos comparados aos dados do offshore. Todas as bacias terrestres produtoras já estão em estágio bastante avançado de exploração e produção, exceto as bacias de Solimões, do Amazonas e do Parnaíba, além daquelas que ainda não produzem. O aproveitamento de toda a estrutura existente, dos poços ainda ativos e do material técnico disponível, tais como sísmica, perfis, rede de dutos e recursos humanos, boa parte oriundo da Petrobras, está sendo útil para a recuperação de mais óleo e gás.

Já se observa uma tendência de crescimento de algumas empresas, com novas aquisições de ativos e até fusões entre elas. Existem também negócios de venda de alguns campos menores para empresas de pequeno porte, indicando uma tendência natural do setor.

Autossuficiência em gás - A produção brasileira de gás está em torno de 150 milhões de m3/dia, dos quais 132 milhões de m3/dia são oriundos de campos marítimos e, destes, mais de 50% é injetado ou queimado, por falta de estruturas para transporte. Já o consumo nacional de gás gira em torno, atualmente, de 85 milhões m3/dia, nem todo atendido pela produção nacional. O Brasil importa, em média, 15 milhões de m3/dia da Bolívia e a produção de gás terrestre poderia substituir parte ou toda essa importação, como veremos a seguir.

As maiores produtoras em terra são as bacias do Solimões, do Parnaíba e do Amazonas, afetadas pelo isolamento geográfico e a falta de estrutura para escoamento de todo seu potencial

A Bacia de Solimões tem aproximadamente 600 mil km2 e, atualmente, é a maior produtora de óleo e gás das bacias terrestres, com quase 100 mil barris de boe/dia. Teve a primeira descoberta de gás em 1978 no campo de Juruá e, em 1986, de óleo e gás no campo de Urucu. A bacia tem apenas 100 poços perfurados, entre pioneiros e de desenvolvimento, e apenas 56 mil km de sísmica, na sua maioria 2D. Portanto, com potencial enorme de futuras produções, com grande probabilidade de novas descobertas e com parte da estrutura já implantada. O retorno da Petrobras para a área terrestre poderá incrementar as atividades e novas descobertas, trazendo novas reservas para a bacia.

Em 2009 foi inaugurado um complexo de gasoduto e oleoduto, com 633 km, ligando Urucu - Coari - Manaus para transporte, principalmente do gás, pois o óleo já é transportado por barcaças a partir de Coari. O gasoduto tem capacidade de pouco mais de 5 milhões de m3/dia, suficiente para abastecer todo o mercado de gás de Manaus, incluindo a geração elétrica que demanda 4 milhões m3/dia. O restante é usado no mercado local da indústria e residências. A produção atual dos campos gira em torno de 35 mil barris/dia de petróleo, 14 milhões m3/dia de gás e fração de condensado e GLP. 

Há um vasto potencial para aumento das reservas de gás na Bacia do Solimões, mas o grande desafio é o transporte desse gás para centros consumidores. Já houve, no passado, discussão para o transporte do gás para o Centro-Oeste. As cidades mais próximas, Rio Branco e Porto Velho, poderiam ser as primeiras candidatas; Cuiabá e outras cidades do Centro-Oeste ou um pouco mais distante formam um polo consumidor, principalmente para secagem dos grãos produzidos pelo agronegócio.

Atualmente, devido à carência de infraestrutura para transporte, em torno de 8 milhões de m3/dia de gás estão sendo injetados no campo de Urucu. Enquanto isso, o suprimento boliviano de gás está em 15 milhões de m3/dia, metade do valor estipulado no contrato original.  Com um gasoduto indo em direção ao Centro-Oeste, até encontrar o Gasoduto Bolívia – Brasil (Gasbol), essa carência de gás da Bolívia poderia ser suprida com gás do Solimões. Há, ainda, um potencial de 200 bilhões de m3 de gás de folhelhos, na Bacia do Solimões, que poderia ganhar viabilidade econômica com essa infraestrutura.

 A Bacia do Amazonas tem aproximadamente 500 mil km2 e nesta área conta com apenas 40 mil km de linhas sísmicas e escassos dados de gravimetria e magnetometria. O campo de Azulão, descoberto em 1999, somente começou a produzir em 2017, depois que a Petrobras o vendeu para a Eneva, para suprir a termoelétrica de Jaguatirica II, inaugurada em 2022 em Roraima, e outros sistemas isolados já existentes.

Infelizmente o gás produzido na bacia ainda é transportado em carretas, por uma grande distância (900km), reduzindo os ganhos ambientais obtidos na substituição do consumo de 6 mil barris/dia. Sim, já há registros de ganhos após utilização do gás natural na geração de eletricidade, na redução das interrupções de fornecimento de energia e, consequentemente, na redução nas emissões de CO2.  De um modo geral, houve bastante incremento nas atividades econômicas, tanto pela estabilização da energia, como pela construção das térmicas.

A Bacia do Parnaíba tem 600 mil km² de área, sete campos descobertos, mais de 400 poços perfurados e mais de 13 mil km de linhas sísmicas 2D. Essa bacia produz, em média, 5 milhões de m³/dia de gás, utilizados em termoelétricas, além de ser distribuído por todo o Estado do Maranhão. A presença da Eneva trouxe grande desenvolvimento econômico, tanto pela geração de novos empregos como pela geração de receitas para o estado e municípios envolvidos. Mas há ainda bastante espaço para incremento das atividades de exploração e certamente descobrimentos de novos campos de gás.

Outra bacia que merece atenção é a Bacia do Paraná, localizada na região sul do país, com área de 1,4 milhões de km², cobrindo o maior mercado consumidor de gás do Brasil; tem mais de 2.500 poços perfurados, 43 mil km de sísmica 2D e produção de shale oil nos folhelhos da formação Irati (Projeto Xisto Irati). Como nessa região já há uma rede de gasodutos instalada, qualquer reserva pode ser economicamente viável.

Tornar o alto potencial dessas bacias uma realidade depende muito das decisões governamentais e da decisão da ANP de continuar com as investigações para identificar onde estão localizados os maiores potenciais para novas reservas de gás, isto é, promovendo mais rodadas de licitação. E executando mais trabalhos técnicos nessas bacias de modo que o potencial seja melhor investigado.

As demais bacias terrestres têm pouca contribuição para produção de gás, exceto a Bacia de Alagoas que vem conseguindo até obter incremento da produção, utilizando novas tecnologias e após aquisição dos campos por outras operadoras, como a Origem e a Petrosynergy. A Bacia do Recôncavo tem produção pequena mas firme, por novas empresas que estão tornando as pequenas descobertas econômicas. E a Bacia do Tucano que teoricamente é uma produtora de gás tem ainda pequena produção, mas potencial promissor para novas descobertas de gás.

Graças ao programa de desinvestimento de parte dos ativos terrestres da Petrobras, houve a retomada nos investimentos e na produção de vários campos. Esperamos que novas descobertas aconteçam e que a produção continue crescendo, principalmente como resultante de novas técnicas de recuperação dos volumes já descobertos, aproveitando a infraestrutura existente.

Os gasodutos construídos e planejados ainda representam uma rede bastante restrita quando comparada ao tamanho do território brasileiro

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