Opinião
Baixar tarifas agora. Expansão da rede planejada depois
Em um momento de retração da demanda e desafios econômicos para a indústria, apostar em mais dutos sem garantir gás mais barato é um erro estratégico. E um erro que o Brasil não pode mais se dar ao luxo de cometer.
Ao longo dos últimos 15 anos, o Brasil ficou praticamente estagnado na construção de novas infraestruturas relevantes para o transporte de gás natural.
No mesmo período, a demanda pelo insumo não cresceu, pelo contrário, depois de alcançar seu pico em 2015, a demanda de gás vem minguando ano a ano. Nesse período, enquanto o consumo de gás no Brasil apresentava uma forte retração, de cerca de 50%, regredindo aos níveis de 20 anos atrás, o mercado global de gás cresceu cerca de 70%.

O consumo atual no mercado convencional brasileiro apresenta uma retração de cerca de 18% em relação às máximas históricas, uma diferença próxima dos 10 milhões de m³/dia. Os maiores impactos foram na indústria e uso veicular.
A cogeração a gás natural, que já teve papel relevante, representa hoje menos de 3% da demanda nacional, frente a até 20% em países onde se verifica a prática de estímulos a projetos de eficiência energética.
Os únicos segmentos que registraram crescimento sustentado nas últimas duas décadas foram o residencial e o pequeno comércio, que passaram de menos de 2% para mais de 5% da demanda nacional de gás natural.
No caso da geração, a quase totalidade dos recentes projetos de UTEs a gás foi viabilizada fora da rede de gasodutos, por meio de modelos tipo Gas-to-Power, em que a usina é conectada diretamente a terminais de GNL. Mais de 60% da geração termelétrica a gás já ocorre fora da malha de transporte, o que demonstra uma mudança estrutural no modelo de atendimento à demanda elétrica que requer uma flexibilidade, que o GNL pode oferecer.

Parece óbvio que o país precisa de gás competitivo para expandir sua demanda e atrair novos consumidores e investimentos.
Investimentos que se comprovem estritamente necessários para a manutenção das operações no próximo quinquênio podem ser avaliados no âmbito da revisão das tarifas, mas a efetiva expansão da malha de gasodutos de transporte só se viabilizará com o aumento da demanda.
Diante desse cenário, é legítimo questionar: precisamos, agora, de mais investimentos no transporte, conforme proposto pelas empresas transportadoras de gás à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)?
Ou, antes disso, a prioridade deveria ser a redução das tarifas de transporte?
Acredito que os fatos e dados sejam incontestáveis.
O país precisa de gás competitivo para expandir sua demanda convencional e atrair novos consumidores e investimentos para reverter esse quadro. A expansão da malha de gasodutos de transporte só se viabilizará com políticas que incentivem o uso do gás na indústria, na cogeração na substituição do diesel pelo GN em frotas pesadas, que seriam os elementos âncoras da expansão.
Trilema energético e o planejamento de longo prazo
Claro que o planejamento de longo prazo de expansão será sempre importante.
Mas, passados mais de quatro anos da promulgação da Nova Lei do Gás, a construção de um plano de expansão de gasodutos certamente poderia entrar numa agenda mais adiante, até mesmo porque a realidade aponta para um mercado desaquecido, com tarifas de transporte elevadas que contribuem para a perda de competitividade da indústria nacional. Assim, investimentos que se comprovem necessários para o próximo quinquênio podem ser avaliados no âmbito da revisão das tarifas.
Nessa linha, mais do que novos gasodutos de transporte, o país precisa de um planejamento técnico e alinhado com a oferta e a demanda, como também, com as perspectivas do mercado de gás natural e dos gases renováveis, sempre com um olhar no consumidor e na importância do GN na transição energética.
Esse papel é da EPE, que recentemente abriu a consulta pública do Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano (PNIIGB).
Análises e propostas sobre infraestrutura de gás natural devem ser realizadas pelos órgãos competentes, e devem responder as perguntas: para qual finalidade? E que impacto terá no mercado e na competitividade do gás e do país?
Todo planejamento energético de longo prazo deve estar alinhado ao Trilema Energético, que exige o equilíbrio entre três pilares:
1. Segurança do fornecimento – garantir que o sistema tenha confiabilidade e cobertura.
2. Equidade e acessibilidade – assegurar preços acessíveis e justos para os consumidores.
3. Sustentabilidade – considerar impactos ambientais e a viabilidade a longo prazo.
A aprovação futura de um plano de novas infraestruturas acende outro alerta: é preciso criar um rito de aprovação dos investimentos a partir da orientação do governo, no sentido de comprovar a demanda real, quem pagará por essa infraestrutura e qual será o impacto tarifário para os consumidores, como também, da conveniência de se realizar uma licitação para as futuras infraestruturas na medida que o transporte não tem um modelo de concessão.
Em um momento de retração da demanda e desafios econômicos para a indústria, apostar em mais dutos sem garantir gás mais barato é um erro estratégico. E um erro que o Brasil não pode mais se dar ao luxo de cometer.
Classificação de gasodutos e potencial conflito
A discussão de uma proposta de classificação de gasodutos de transporte, objeto da Consulta Pública nº 01/2025, além de inoportuno, tem pouca ou nenhuma importância nesse momento e apresenta um alto potencial de conflito, que não pode ser colocado adiante de outros temas prioritários na agenda do gás no país.
Cabe remarcar que o Brasil viveu duas décadas de plena harmonia entre transportadoras e distribuidoras, até o mal planejado processo de venda da atividade de transporte no país, fatiando em várias empresas uma atividade que uma única empresa poderia satisfazer, atendendo toda a demanda de forma mais eficiente e a menor custo.
Essa harmonia, corre agora o risco de ser rompida e acabar saindo da esfera administrativa para a esfera judicial pela tentativa das transportadoras de reinterpretar, em benefício próprio, as leis e a Constituição Federal de 1988.
O mais prudente, nesse momento, seria a ANP priorizar outros temas de maior impacto e importância. Mas, caso venha por decidir emitir algum regulamento da matéria, seria importante remeter previamente ao Ministério de Minas e Energia (MME), para que a pasta, dando cumprimento à Lei nº 14.134/2021 e à resolução nº 03/2022 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), dê início a um processo de discussão com os Estados na busca de uma harmonização.
Prioridade: tarifas de transporte mais baixas
Os preços do gás precisam cair no Brasil e o Ministério de Minas e Energia (MME) indicou dois caminhos corretos a serem percorridos:
a) Aumentar a concorrência e reduzir a concentração, e;
b) Reduzir as tarifas de escoamento, processamento e transporte no país.
A primeira, ainda que de forma tímida, começa a apresentar resultados. Agora, é preciso centrar todos os esforços na Consulta Pública nº 05/2025, que foi aberta para obter subsídios sobre a minuta de resolução que regulamenta os critérios para cálculo das tarifas de transporte de gás natural e o procedimento para a aprovação de tarifas de transporte, que deve preceder a CP nº 08/2025, que tratará da revisão tarifária.
As tarifas de transporte de gás no país estão muito acima do razoável, fruto dos contratos legados, e não se pode admitir que subam ainda mais. Essas distorções, numa parcela que representa 20% do custo do gás no city-gate (ponto de transferência de custódia do gás), prejudicam a competitividade da indústria e comprometem o desenvolvimento sustentável do setor de gás natural no Brasil.
O Brasil precisa de um plano de infraestrutura completo, técnico e plural, que olhe para toda a cadeia de valor do gás natural, com foco em redução de tarifas, competitividade da indústria e expansão do acesso com sustentabilidade.
Antes de expandir a malha de transporte, é essencial rever os custos de transporte, estimular a concorrência real no mercado e criar condições para que a demanda volte a crescer. Investimentos devem ser feitos com base em necessidade comprovada – e não por expectativa de remuneração garantida.
Em um momento de retração da demanda e desafios econômicos para a indústria, apostar em mais dutos de transporte sem garantir um gás mais barato é um erro que o país não pode ser dar ao luxo de cometer.



