Opinião

Terminais de GNL e a segurança energética do Brasil

Precisamos começar a refletir sobre a nova conjuntura mundial do gás natural. Quando se fala em GNL, a questão vai além do custo, devendo incluir a diversidade das fontes, a segurança energética e a garantia de suprimento

Por Bruno Armbrust

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Coautor: Sergio Soares *

O investimento em novos terminais de GNL vem transformando o gás natural em uma verdadeira commodity no Brasil, contribuindo decisivamente para criar um ambiente de efetiva concorrência no setor.

Mas essa avaliação passa ao largo de questões tratadas no artigo intitulado “Quem paga a farra do GNL?”, publicado na Brasil Energia sob a autoria de Rogério Manso, presidente da ATGas, associação que representa os transportadores de gás no país.

Os argumentos do texto, além de não guardarem relação com a realidade, retratam um quadro distorcido da conjuntura energética mundial. Também desconsideram uma série de fatores que vem fazendo do GNL uma alternativa vital para a segurança energética de dezenas de países que, como o Brasil, não são autossuficientes em gás natural.

No Brasil, os novos terminais de GNL também contribuem para criar um ambiente de efetiva concorrência na oferta da molécula e diminuir a concentração de mercado.

O artigo inicia questionando o custo de afretamento das Floating Storage Regasification Unit (FSRUs) que, segundo o autor, teria consumido em quatro anos um volume de US$ 1,5 bilhão, com recursos supostamente pagos pelos consumidores de energia elétrica – importante observar que as usinas termelétricas (UTEs) conectadas a terminais privados de GNL ganharam leilões concorrenciais por se mostrarem mais viáveis que outros projetos conectados ao transporte de gás.

Essa afirmação nos levou a um cálculo similar para o impacto que os chamados “Contratos Legados”, herança de um acordo da Petrobras com transportadoras, vêm provocando ao setor gasista. E o resultado da conta é um valor de cerca de US$ 4 bilhões (mais do que o dobro!).

Logo, o que existe de fato, isto sim, é uma “Farra dos Contratos Legados” que impõe um elevado sobrepreço às tarifas de transporte.

Polêmicas à parte, algumas das críticas contidas no artigo não guardam relação com a história do GNL no Brasil, nem com o protagonismo que o GNL tem no cenário mundial. 

E este artigo se propõe a explicar as razões.

1. O GNL é fundamental para a segurança energética do Brasil em um cenário climático e geopolítico complexo. 

A história do GNL no Brasil se inicia após o racionamento de energia elétrica em 2001, em um período de seca e pouca água disponível nos reservatórios das hidrelétricas. 

Foi a chegada de duas FSRUs ao país, entre 2008 e 2009, que finalmente trouxe maior robustez e segurança ao setor. 

Na ocasião, o GNL não só aumentou a oferta de gás, mas proporcionou maior flexibilidade e diversificação de origem do gás, atributos perseguidos mundialmente para reduzir a dependência de poucas fontes de suprimento.

Para o Brasil, o GNL ganhou ainda maior relevância devido às seguidas crises hídricas em um país com modelo energético fortemente baseado nos recursos hídricos e ao rápido crescimento das fontes renováveis intermitentes. Logo, o uso de gás para geração elétrica vem crescendo no país exatamente porque o GNL aporta a flexibilidade necessária para equilibrar o sistema em momentos de intercorrência. 

É oportuno trazer para reflexão o exemplo da Espanha, país na UE que menos sofreu com o impacto da guerra na Ucrânia, justamente pela diversidade de origem do gás, obtida pela sobrecapacidade de regaseificação de GNL – estratégia adotada no passado. A demanda espanhola de gás oscila entre 80 e 100 MMm³/dia, dependendo da climatologia e do despacho das térmicas, e sua capacidade de regaseificação é cerca de duas vezes a sua demanda. 

Esse exemplo é suficiente para rebater uma das críticas contidas no artigo, segundo o qual atualmente o Brasil “tem uma capacidade de regaseificação total de 150 MMm³/dia, mais que o dobro da demanda nacional”. 

E deve ser assim. O setor de gás exige flexibilidade e é comum dotar o mercado de capacidade de entrada (oferta) maior que a demanda para garantir segurança e maior concorrência. A própria malha interligada nacional de gasodutos (TBG, NTS e TAG) tem o total de capacidade de entrada (292 M.m³/dia) superior à demanda total (67 M.m³/dia na média de 2025), pelas mesmas razões citadas anteriormente.

No passado, aqui no Brasil, além da oscilação da demanda das térmicas a gás, já vivenciamos crises geopolíticas na Bolívia e paradas programadas, que afetaram o suprimento de gás. E a flexibilidade do GNL é importante nesses momentos, principalmente num país que não dispõe de armazenagem subterrânea. 

O volume de gás boliviano aponta para um forte declínio até 2030, assim como se prevê o pico de produção do pré-sal em 2030. Além disso, a opção de importação de gás argentino ainda tem desafios de infraestrutura e de sazonalidade. Nesse sentido, o país tem, sim, o dever de considerar o GNL como uma alternativa.

O passado ensina que a energia mais cara é aquela que não existe e a regulação precisa ter isso no radar. 

Por isso, precisamos fundamentar nossos argumentos sob a luz da nova conjuntura mundial do gás natural, e desenvolver o foco de qualquer plano energético e regulatório na integração dos setores de gás e energia elétrica.

2. O futuro do GNL em um cenário de diversificação da oferta e transição energética

Embora o GNL já tenha um papel relevante, o futuro reserva um potencial ainda maior. Com os esforços globais voltados para a redução da pegada de carbono, o GNL representa uma alternativa mais limpa ao carvão e ao petróleo. Inovações em soluções de GNL Flutuante (FLNG) auxiliarão na exploração de campos de gás “offshore” muito distantes. 

Mundialmente, mais de US$ 250 bilhões foram investidos na última década em liquefação de GNL, recursos que, até o final dessa década, deverão aumentar em cerca de 50% a oferta. 

A Agência de Cooperação dos Reguladores de Energia da União Europeia (Acer) indica que é preciso realizar melhor gestão das incertezas em torno das demandas futuras, considerando o avanço das energias renováveis. Para mitigar os riscos associados à volatilidade dos preços, é necessária uma estratégia equilibrada que garanta uma maior oferta de GNL frente ao avanço das renováveis. 

Não por acaso, a quantidade de terminais do tipo FSRU operacionais no mundo chegou a 49 unidades em fevereiro de 2024. Desse total, nove foram comissionados ao longo de 2023 e 17 novos terminais estavam em fase de construção. 

No Brasil, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a busca por um mercado de gás natural mais aberto, dinâmico e competitivo, enseja a possibilidade da viabilização de novos projetos envolvendo GNL. Tal abertura tende a promover um ambiente de competição e a entrada de cada vez mais agentes, com diferentes soluções de disponibilização de novas ofertas para o mercado.

O Sudeste do país começou a experimentar maior concorrência a partir da implantação de uma FSRU em SP. Isto resultou em forte impulso para o mercado livre e a redução da concentração, com efeitos, inclusive, em outros estados que viram queda no preço da molécula. A oferta de GNL poderia se estender a outras regiões, a partir da conexão do Gasan ao Terminal de Regaseificação de São Paulo (TRSP) que, incompreensivelmente, não é cogitada pela transportadora responsável.

Já existem sete terminais de regaseificação de GNL no país, em seis estados, com capacidade de regaseificação total de 136,2 M.m³/dia. Desses, dois terminais, o de São Paulo (TRSP) e o do Porto do Açu, não estão conectados à malha de gasodutos de transporte.

Evidentemente, o GNL não deve ficar restrito à geração, mas sim se estender a todos os segmentos da indústria do gás, sempre observando a lógica do mercado

No Brasil, ainda que em um ritmo abaixo do ideal, o gás tem mudado progressivamente de mãos. O resultado é uma perceptível redução dos preços, tanto para os consumidores que trocaram de fornecedor como para os que ainda permanecem no mercado cativo. E o GNL vem tendo papel importante nessa mudança.

3. A falta de revisão nas tarifas de transporte de gás

O fato que precisa ser falado: fatores como a falta de investimentos na infraestrutura de transporte e as elevadas tarifas vêm sendo determinantes para o esvaziamento dos gasodutos. E isso gera um efeito retro alimentador, que acaba afetando a competitividade do gás. 

Essa situação vem estimulando os projetos de UTEs com conexão direta às fontes de suprimento, sem passar pelo elo do transporte, o que, como já mencionado, é permitido pela lei, com muitos exemplos em operação país afora.

Foi por isso que, na última década, diversas UTEs se viabilizaram com projetos do tipo Gas To Power por serem mais competitivas, reduzindo custo final do gás da usina. Isso faz com que a geração fora da malha de transporte já alcance mais de 80%.

Entender esse cenário é fundamental para que o regulador possa atuar com assertividade, resolvendo problemas estruturais, contribuindo para a existência de mercados abertos, competitivos e maduros.

Isso nos leva às tarifas de transporte, que deveriam sofrer redução significativa se adotados parâmetros reais independentemente de eventuais diminuições de capacidade contratada no próximo Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) na forma de potência. 

O país precisa fazer prevalecer a lógica do mercado e evitar determinadas pressões setoriais que só fazem gerar distorções e desequilíbrios, em favor de pequenos grupos econômicos acostumados a defender seus privilégios que sempre acabam como fardo para o consumidor. 

O transporte no Brasil é uma Autorização, não uma Concessão de serviços públicos. Portanto, um negócio privado, sujeito a seus riscos. As transportadoras não podem colher apenas os benefícios, deixando os riscos com o mercado.

Cabe ressaltar que a atividade de transporte - que busca agora garantir uma reserva de mercado na construção de gasodutos, inclusive de distribuição, e tenta, artificialmente, garantir o uso da capacidade de seus dutos - teve pouquíssima contribuição no desenvolvimento do setor de gás na última década, crescendo cerca de 1% na sua malha de gasodutos, garantindo suas receitas advindas de gasodutos construídos em tempos passados, provenientes de contratos legados, em detrimento da modicidade tarifária.

Antes de lançar críticas ao GNL, o certo seria uma revisão integral da dinâmica do transporte de gás no país a partir da realização da revisão integral da tarifa dos transportadores em linha com as boas práticas mundiais.

Fato que cabe destaque é o da UTE Marlim Azul, que não é suprida por um Terminal de Regaseificação (TR), mas evitou se conectar ao sistema de transporte. Nesse caso específico, fica claro que não se trata de um fornecimento de gás a partir de um Terminal de GNL, mas sim de uma UPGN, o que demonstra que a questão não está restrita ao GNL.

4. Conclusão: O Brasil precisa de GNL

Muitos consideram que o cenário global tornará o GNL muito competitivo até o final dessa década. É exatamente quando o Brasil poderá precisar de mais gás. 

Assim, faz todo o sentido que o país tenha acesso a maior capacidade de regaseificação de GNL. 

Ao construir uma robusta infraestrutura de GNL, o Brasil poderá surfar nessa onda global pautada pela competitividade, flexibilidade, segurança energética e descarbonização.

 

*Sérgio Soares é consultor da ARM Consultoria

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