
Plenária binacional debate importação do gás argentino
Plenária binacional debate importação do gás argentino
Um acordo pode estar próximo, mas preço competitivo CIF São Paulo, volumes mínimos que justifiquem a importação, quem vai bancar o take or pay e, sobretudo, os tributos incidentes ainda são temas que demandam consenso

A integração do mercado de gás natural no Cone-Sul pode estar próxima de virar realidade com a oferta disponível das expressivas reservas do gás natural de Vaca Muerta, mas questões cruciais sobre preço, logística, modelo de contratação, regulação e tributação ainda são gargalos para o produto abastecer o Brasil no volume que o mercado demanda e na medida em que cai o suprimento boliviano.
A importância do tema e a urgência de definições levou o IBP a incluir uma sessão plenária sobre os “Desafios para a integração do mercado de gás no Cone Sul”, realizada simultaneamente no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, diretamente da Rio Pipeline e da Argentina Oil & Gas (AOG).
O IBP, realizador da Rio Pipeline, e o Instituto Argentino de Petróleo e Gás (IAPG), realizador da AOG, protagonizaram um encontro inédito de integração energética bilateral colocando agentes da iniciativa privada e reguladores dos dois países para debater por vídeo os gargalos para a importação do gás de Vaca Muerta para o Brasil.
O encontro foi moderado pelo presidente do IBP, Roberto Ardenghy, e pelo presidente do IAPG, Ernesto López Anadón, e contou com a participação de Rogério Manso, presidente da ATGás, Walter Fariolli, diretor-geral da Transportadora Sul Brasileira (TSB) e Marcello Weydt, diretor do Departamento de Gás Natural do MME, pelo Brasil; e Leopoldo Macchia, vice-presidente Comercial da Tecpetrol; Daniel Ridelener, CEO da TGN, e Carlos Alberto María Casares, do Ente Nacional Regulador del Gas (Enargas).
A participação conjunta contribuiu para mostrar ao público presente o momento de intensa negociação entre os dois países, envolvendo agentes da iniciativa privada e de estado, para viabilizar seus interesses na integração: o da Argentina de monetizar suas reservas e expandir sua infraestrutura e o do Brasil, de ampliar o uso do combustível na sua matriz energética a preço competitivo.
Os representantes da Tecpetrol e da TGN, empresas diretamente ligadas à produção e transporte do gás de Vaca Muerta, reafirmaram o interesse de negociar contratos de longo prazo com empresas brasileiras, projetando preços competitivos do produto no Brasil. Condições contratuais, segurança jurídica, alternativas de transporte e sobretudo preço competitivo foram os principais desafios apontados.
O vice-presidente Comercial da Tecpetrol, Leopoldo Macchia, destacou o grande potencial de produção da Argentina, a experiência bem-sucedida das exportações para o Brasil realizadas neste ano e fez projeções de queda de preço do produto. Ele disse que os Preços Mínimos de Exportação determinados pelo governo, a partir de 2026, vão baixar para US$ 3,5 (inverno) e US$ 2,9 (verão) por milhão de BTU, que ele considera valores competitivos.
O executivo afirmou, no entanto, que a demanda é um fator decisivo para que as exportações ocorram de forma sustentada e de longo prazo. “O Brasil precisa estar disposto a assinar contratos de abastecimento de longo prazo para viabilizar os gasodutos”, disse.
O CEO da TGN, Daniel Ridelener, apontou como desafio a materialização de contratos firmes de fornecimento, que hoje está mais difícil de se acertar pelo maior número de atores envolvidos. Ele disse que o Brasil está pagando preços no gás bastante mais altos, de US$ 16 a US$ 17 por milhão de BTU, enquanto os argentinos estão pagando US$ 5 a US$ 5,50 por milhão de BTU.
E acrescentou que a Argentina está pagando tarifa de US$ 0,50 por milhão de BTU para o transporte da ordem 1,2 mil km de dutos amortizados, enquanto a Bolívia está pedindo entre US$ 2 e US$ 4 para transportar essa mesma distância em dutos de 25 anos. “Então temos a obrigação de desagregar essa cadeia (de custo do transporte)”, afirmou.
Para o representante do Ente Nacional Regulador del Gas (Enargas), Carlos Alberto María Casares, o papel do órgão está sendo o de cuidar para que o desenvolvimento de Vaca Muerta não impacte negativamente os usuários argentinos. “As negociações são entre entes privados, mas tudo que se precisar resolver regulatoriamente, estamos disponíveis para encontrar uma solução racional que impulsione o desenvolvimento de Vaca Muerta e a infraestrutura argentina”, afirmou.
O Presidente da ATGás, Rogério Manso, destacou a grande oportunidade para o Brasil poder dispor da oferta de gás da Argentina em proporções tão grandes, pois as reservas estimadas em Vaca Muerta, hoje em 308 tcf (equivalente a 8,7 trilhões de m3) são suficientes para atender o atual consumo anual do Brasil, da ordem de 1 tcf, por vários séculos.
Manso lembrou que se o Gasbol demorou quase 50 anos para virar realidade desde que começou a ser aventado após a Guerra do Chaco (1932-1935) o mesmo não acontece hoje, quando já existem redes implantadas, mercados reprimidos identificados e regulação avançada nos dois países. Mas admitiu que o cenário atual é mais complexo, diante da diversidade de atores envolvidos e a perspectiva de grandes volumes de demanda projetados para o Brasil, questionando aos presentes: “Quem vai assinar o contrato de take or pay?”.
O presidente da ATGás observou ainda que o gás argentino não compete com o gás nacional, é uma complementação, porque a curva da produção no Brasil na próxima década é dependente de esforços exploratórios. Manso lembrou que estudos de mercado mostram que o Brasil tem potencial de consumo de mais de 50 milhões de m³/d apenas no setor siderúrgico.
Indefinição sobre rota de transporte
A questão da competitividade não é menos importante que a definição da rota de transporte do gás de Vaca Muerta para o Brasil, sobretudo porque a opção escolhida determina o preço do produto no mercado brasileiro.
Os palestrantes repassaram as cinco rotas alternativas, passando pela Bolívia, pelo Paraguai, pelo Uruguai ou diretamente ao Brasil - por GNL ou via gasoduto no Rio Grande do Sul -, em diferentes condições de necessidade de investimentos, seja em novos gasodutos ou ajustes de infraestrutura existente.
A opção direta da Argentina ao Brasil, passando pelo Rio Grande do Sul, retoma o projeto de construção do trecho de 615 km do gasoduto Uruguaiana-Porto Alegre, pela TBG, que já opera dois trechos na ponta do trajeto.
Há 25 anos esse projeto nasceu com o objetivo de importar gás argentino para geração termoelétrica e produção industrial do estado e nunca foi realizado, mas um quarto de século depois é ressuscitado como opção para escoamento das gigantescas reservas da Argentina na província de Neuquén.
Para o diretor-geral da TSB, Walter Fariolli, esse projeto agora ganha o status de projeto estruturante, pois passa a ser um gasoduto de integração Argentina-Brasil, que justifica ser construído com bitola de 30” a 36” e capacidade de transportar acima dos 30 milhões de m³/d da demanda potencial brasileira, podendo ser destinado ao mercado brasileiro e até outros países.
A opção pela rota do Rio Grande do Sul, no entanto, tem questionamentos dentro do próprio governo brasileiro, que se prepara para materializar o acordo firmado ano passado entre os dois países para estudar o aproveitamento do gás de Vaca Muerta no mercado brasileiro com a infraestrutura já construída.
Na plenária, o diretor do Departamento de Gás Natural do Ministério de Minas e Energia (MME), Marcello Weydt, disse que a integração do mercado de gás natural no Cone-Sul já é uma realidade com os acordos firmados entre os países da região e a rede existente. “Temos um passo já muito grande feito. A integração que a gente tanto busca já existe. Já existe duto envolvendo todos os países. Temos duto que historicamente conectaram a Bolívia com a Argentina, já temos dutos que foram desenvolvidos na própria Argentina, já temos os dutos que foram desenvolvidos na interligação entre Bolívia e Brasil”, afirmou.
Mas o representante do ministério questionou por que o preço do gás não chega ao Brasil competitivo. “O que é que falta para que esse gás flua em grandes volumes e para que o preço chegue de uma forma competitiva?”, questionou, indicando que a seu ver é preciso discutir a questão tarifária.
Segundo Weydt, é preciso estimar o efeito do potencial de transporte de até 30 milhões de m³/d nas estruturas depreciadas ao longo do percurso de 5.000 km de Vaca Muerta até o centro de carga em São Paulo, para se estabelecer o preço que a molécula seria oferecida aqui no Brasil.
Apesar das incertezas, a iniciativa do IBP e do IAPG de promover a sessão plenária binacional foi aplaudida pelos participantes, que veem avanço nas negociações. O presidente do IAPG, Ernesto López Anadón, reforçou essa visão de colaboração, destacando a importância de os países do Cone Sul aproveitarem os recursos de gás de Vaca Muerta.
Anadón enfatizou que a integração energética ocorrerá quando os atores empresariais se movimentarem, gerando acordos e negócios, com os governos facilitando o processo por meio de regulações apropriadas.
Para o presidente do IBP, Roberto Ardenghy, que mediou o painel junto com seu colega argentino, a integração entre os dois países é estratégica. “A Argentina representa hoje uma alternativa muito interessante para o mercado brasileiro de gás”, concluiu.
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