
Armazenamento: avanço na regulação pode destravar investimentos
Opinião
Armazenamento: avanço na regulação pode destravar investimentos
O avanço regulatório deve contemplar uma avaliação criteriosa sobre a conveniência e a oportunidade de políticas públicas de incentivo como, por exemplo, leilões de capacidade específicos para os Sistemas de Armazenamento de Energia

Coautora: Mariana Saragoça
Historicamente, o setor elétrico é marcado por uma relevante evolução tecnológica que, além dos ganhos de eficiência e produtividade, traz desafios para a operação do sistema e exige uma célere e dinâmica atualização legislativa e regulatória para acomodar as novas demandas.
Recentemente, para além dos benefícios da inserção de novas fontes renováveis, o setor vem enfrentando desafios significativos para a adequada operação das centrais geradoras intermitentes, o que tem causado impactos significativos decorrentes dos chamados cortes deliberados de geração (curtailment) e da necessidade de contratação de capacidade/potência para garantir a segurança do sistema.
Neste cenário, enquanto o setor ainda discute, administrativa e judicialmente, as soluções para o curtailment e a realização do Leilão de Capacidade, outro fator que pode contribuir com a mitigação desses efeitos negativos, os Sistemas de Armazenamento de Energia, começa a ganhar corpo com a potencial nova regulamentação da Aneel.
Recentemente, a Aneel divulgou a Nota Técnica Conjunta nº 13/2025-SGM-SCE-STD-STE-STR-SFT/ Aneel - que avaliou as contribuições no âmbito da Consulta Pública nº 39/2023 -, com a consolidação de entendimentos e diretrizes preliminares para a regulamentação dos sistemas de armazenamento de energia elétrica no Brasil e que podem promover maior flexibilidade operativa, confiabilidade sistêmica e modicidade tarifária.
Trata-se de um importante passo institucional, que sinaliza a disposição da agência em avaliar aspectos regulatórios essenciais à inserção segura e eficiente dessa tecnologia no setor elétrico.
Entre os principais avanços apresentados, destaca-se que a Nota Técnica trouxe relevantes definições sobre a necessidade de outorga e relações com a rede, tendo sido indicado que, a depender da configuração do empreendimento, os sistemas de armazenamento poderão ser outorgados como Produtores Independentes de Energia (PIEs), especialmente quando associados a usinas de geração e com participação ativa na comercialização de energia.
Neste aspecto, também restou prevista a possibilidade de utilização dos Sistemas de Armazenamento de Energia juntamente com centrais geradoras e unidades consumidoras, tanto em redes de transmissão quanto de distribuição, o que poderá ser feito tanto por meio de colocalização - com uma única outorga abrangendo a central geradora e o Sistema de Armazenamento - quanto por meio de associação, na qual a central geradora e o Sistema de Armazenamento possuem outorgas distintas.
Adicionalmente, as áreas técnicas da agência também sinalizaram o tratamento dos Sistemas de Armazenamento de Energia como usuário da rede elétrica, estabelecendo critérios claros para acesso e celebração dos Contratos de Uso dos Sistemas, com a possibilidade de avaliação da flexibilização dos Montantes de Uso dos Sistemas em determinados casos, devendo a tarifa de uso seguir os ditames do atual arcabouço normativo.
Apesar dos significativos avanços, cuja eficácia ainda depende da edição/atualização das normas propriamente ditas, ainda existem indefinições a serem debatidas e superadas em novas etapas, incluindo o aprofundamento nas discussões dos Sistemas de Armazenamento de Energia como ativos integrantes das redes de distribuição e transmissão e da possibilidade de remuneração pela prestação de serviços ancilares por usinas de minigeração distribuída.
Tais discussões não são triviais. A incorporação de Sistemas de Armazenamento de Energia ao setor elétrico brasileiro exige não apenas os já mencionados ajustes regulatórios, mas também uma visão integrada com o planejamento da expansão do sistema, com a operação em tempo real e com as diretrizes de transição energética sustentável.
Dada a relativa incipiência da inserção da tecnologia de armazenamento no contexto brasileiro, é fundamental que o avanço regulatório venha acompanhado de uma avaliação criteriosa sobre a conveniência e a oportunidade de políticas públicas de incentivo como, por exemplo, leilões de capacidade específicos para os Sistemas de Armazenamento de Energia, medida que poderia acelerar a curva de aprendizado e viabilizar a formação de um mercado nacional competitivo e eficiente.
Ainda que não se tenha, ao menos por enquanto, a definição de instrumentos diretos de incentivo, o avanço normativo a ser definido pela Aneel pode contribuir para o estabelecimento de diretrizes mínimas e conferir maior previsibilidade ao tratamento institucional da tecnologia.
Ao sinalizar as regras aplicáveis e os marcos regulatórios em construção, a agência amplia a segurança jurídica e permite que os próprios agentes de mercado possam desenvolver soluções autônomas, enquanto se avalia, de forma transparente e participativa, a necessidade e o desenho de eventuais políticas públicas de estímulo.
Diante de tal cenário, é razoável afirmar que o Brasil está em um momento decisivo para consolidar as bases regulatórias do armazenamento de energia, com potencial para liderar soluções inovadoras.
O engajamento dos agentes do setor e o compromisso das instituições com a estabilidade regulatória serão fundamentais para que os Sistemas de Armazenamento de Energia se transformem em uma alavanca de eficiência, segurança e sustentabilidade no setor elétrico brasileiro.
* Mariana Saragoça é sócia do escritório Stoche, Forbes Advogados