
Opinião
Reforma do setor elétrico e os impactos na segurança jurídica
Regras que pretendem impor requisitos adicionais para aceitação de negócios jurídicos celebrados em momento anterior à publicação da MP são questionáveis e podem levar a uma nova onda de judicialização

Coautora: Mariana Saragoça *
Como comentado no artigo sobre as Expectativas com a proposta do novo marco legal do setor elétrico, as autoridades e agentes do setor vêm, há quase uma década, discutindo as premissas e diretrizes para uma necessária reformulação do marco legal.
Após longas discussões iniciadas na Consulta Pública MME nº 33/2017 e que passaram pelos debates no Congresso Nacional no âmbito do Projeto de Lei do Senado nº 232/2016 e do Projeto de Lei nº 414/2021, o tema ganhou força neste ano de 2025, sendo formalmente apresentada pelo Governo Federal nas últimas semanas.
Desde então, as discussões e ações dos agentes do setor elétrico – que incluíram a movimentações para garantia de direitos e assinatura de contratos – estiveram centradas em uma minuta de Projeto de Lei que, em tese, traria as disposições para a reforma do marco legal.
Toda a incerteza quanto ao novo marco legal chegou ao fim no último dia 21.05.25, quando foi publicada a Medida Provisória nº 1.300/2025 (“MP”) – com alterações relevantes frente ao texto que vinha sendo discutido pelos agentes – e que promete alterar a dinâmica dos negócios no setor.
Como antecipado, os discursos em torno da MP valorizam a reestruturação da tarifa social, até mesmo para que haja o engajamento político para sua tramitação no Congresso Nacional e posterior conversão em Lei.
Adicionalmente, foram propostas uma série de outras alterações como a já esperada abertura do mercado livre a partir de 01.08.2026 para os consumidores industriais e comerciais e a partir de 01.12.2027 para os demais consumidores.
Além de uma série de outras disposições com novas regras para o segmento de distribuição, a criação do Supridor de Última Instância – SUI e a redistribuição de encargos setoriais, os temas de maior debate nestes primeiros dias tratam das regras aplicáveis à autoprodução de energia e ao término do desconto nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão/distribuição na parcela do consumo.
Para além dos aspectos jurídicos, há uma série de outras perspectivas a serem discutidas como a existência de subsídios e incentivos, seus impactos na tarifa de energia e na economia em geral e qual deveria ser a origem dos recursos para seu custeio.
De toda forma, é imprescindível citar um tema extremamente sensível e caro aos agentes, qual seja, a garantia da segurança jurídica e respeito aos contratos vigentes.
Nestes termos, é importante reconhecer os avanços no texto legal, mas também apontar pontos que merecem ser revistos, de modo a garantir, de forma ampla, a segurança jurídica aos agentes.
Neste ponto, as 600 emendas propostas ao texto podem contribuir para o avanço das discussões. Com efeito, o texto da MP 1.300/2035 – como é próprio de sua natureza – traz disposições genéricas e abstratas que, necessariamente, serão objeto de um detalhamento maior – a própria MP já faz referência à regulamentação a ser editada pelo próprio Poder Executivo, como expressamente previsto para os casos do Supridor de Última Instância, a abertura do mercado livre e até as novas atribuições da CCEE.
De toda forma, cabe salientar que regras que pretendem impor requisitos adicionais para aceitação de negócios jurídicos celebrados em momento anterior à publicação da MP são questionáveis e podem levar a uma nova onda de judicialização.
É de suma importância que a segurança jurídica seja garantida de forma ampla, não apenas formalmente, mas também em observância às práticas reiteradas e dinâmicas de mercado que são exercidas há mais de 2 décadas e que fundamentaram a realização de investimentos que atingem cifras bilionárias no setor elétrico que, dada sua necessidade de capital intensivo, são realizados em um horizonte de longo prazo.
Mudanças nos modelos de negócios amplamente adotados pelo mercado sem uma análise aprofundada de seus impactos podem ter efeitos perversos, retirando prerrogativas importantes para a mitigação de riscos de stakeholders, como, por exemplo, a flexibilidade.
Apesar de ser indiscutível a necessidade da reforma do marco legal do setor elétrico bem como o fato de que a MP 1.300/2025 trouxe avanços que podem contribuir para o desenvolvimento do setor, espera-se que o texto seja aprimorado no decorrer das discussões no Congresso Nacional, momento no qual é ainda mais relevante que os debates estejam concentrados na efetiva evolução do setor, sem que os chamados “jabutis” acabem por desvirtuar a reforma proposta.
-------------------------
Mariana Saragoça* é sócia do escritório Stoche, Forbes Advogados