
Opinião
O dilema do planejamento: casas de palha ou de tijolos?
Soluções contratadas não entregam a confiabilidade esperada quando consideram o custo de geração isoladamente, sem valorar os requisitos do setor elétrico, em particular a segurança e a flexibilidade da solução contratada

Garantir a segurança do setor elétrico brasileiro passa, cada vez mais, por viabilizar fontes de geração flexíveis e despacháveis, capazes de absorver as oscilações naturais das fontes renováveis. As hidrelétricas com reservatórios seguem como alicerce, mas seu potencial de expansão é limitado. Nesse contexto, as termoelétricas assumem papel indispensável, oferecendo a capacidade que sustenta a expansão das renováveis.
Entre as opções de geração termoelétrica, o gás natural se destaca por combinar menor intensidade de carbono em relação a outros combustíveis fósseis, com elevada capacidade de resposta, atributos fundamentais em um contexto de transição energética. Mas para que as usinas termoelétricas cumpram de fato seu papel de reserva confiável, é preciso ir além da planta geradora e analisar como está estruturado o suprimento de gás natural que as alimenta.
O planejamento energético brasileiro está evoluindo, buscando a melhor forma de incorporar aos seus modelos e às regras de contratação de energia, todas as nuances relativas aos requisitos do setor elétrico. Ainda assim, nos deparamos hoje com situações em que as soluções contratadas não entregam a confiabilidade esperada, por terem considerado o custo de geração isoladamente, sem valorar os requisitos do setor elétrico, em particular a segurança e a flexibilidade da solução contratada.
Uma fábula clássica, que certamente habita a memória da maioria, ilustra bem como o planejamento e a prudência são fundamentais quando a segurança está em jogo. Três, chamemos, empreendedores, construíram cada um a sua casa.
A primeira, feita de palha, simboliza as usinas que dependem exclusivamente de terminais de GNL isolados, sem conexão com o sistema de transporte de gás natural. São empreendimentos que parecem competitivos à primeira vista, mas são mais suscetíveis a variações de preço e entregam menor confiabilidade, por dependerem exclusivamente de uma cadeia logística menos robusta e mais vulnerável a crises de suprimento globais. É um arranjo que se sustenta enquanto o vento sopra brando, mas que não oferece segurança em momentos de estresse.
A segunda casa, construída de madeira, representa as usinas ligadas fisicamente à rede de gasodutos, mas sem contratar capacidade de transporte firme. Dependem da capacidade ociosa do sistema, o que é possível em muitas situações, mas não garante o fornecimento em cenários de maior demanda. O atual inverno argentino oferece um alerta: consumidores com contratos interruptíveis tiveram o fornecimento cortado para preservar clientes firmes, evidenciando o risco de contar com suprimento sem o devido respaldo contratual.
Nesses dois casos nos deparamos com free riders - agentes que se beneficiam da infraestrutura sem contribuir proporcionalmente para o seu custo -, que, cedo ou tarde, buscarão refúgio na robustez construída por quem efetivamente sustenta a capacidade firme no sistema.
Já a terceira casa, de tijolos, é a usina conectada à malha de transporte e com contratos firmes de capacidade. É o exemplo do investidor que planejou pensando no longo prazo, investindo para construir algo sólido, que resista aos ventos mais fortes. Essa configuração oferece ao sistema elétrico a flexibilidade que ele precisa pelo menor preço possível e o máximo de segurança. Amparada pela infraestrutura existente, assegura o fluxo do gás mesmo nos momentos críticos, estabiliza tarifas e garante que a usina cumpra integralmente seu papel como reserva de potência.
O ponto central é que o desenho de contratação de energia, ao não diferenciar entre as três diferentes circunstâncias, acaba premiando soluções que parecem mais baratas, mas não oferecem a segurança necessária. Isso transfere riscos ao sistema e a toda a sociedade, que arcará com custos mais altos, seja por tarifas e encargos, seja pela necessidade de investir em novas infraestruturas mais resilientes.
A fábula mostra que a prudência oferece um valor do qual não se pode abrir mão: a tranquilidade de resistir aos ventos fortes quando eles chegam.
O Brasil tem hoje a oportunidade de estruturar seu sistema elétrico e sua malha de gás de forma integrada, priorizando soluções que não só entreguem energia, mas que garantam potência e confiabilidade ao menor custo total para o país. Isso passa por avançar no planejamento, ajustar as regras de contratação dos leilões de reserva de capacidade na forma de potência e valorizar a integração entre os setores elétrico e de gás natural.
É o caminho para um sistema energético robusto, competitivo e seguro, capaz de sustentar o desenvolvimento econômico e industrial com estabilidade e previsibilidade, atendendo os requisitos da transição energética.