Opinião
As mulheres na indústria do petróleo, um desafio crescente
No mundo, historicamente, os setores de petróleo e gás foram pouco ativos na promoção do equilíbrio de gêneros, com a participação feminina representando somente 22% da força de trabalho
Corria o ano de 1987 quando fiz meu primeiro embarque, na plataforma de petróleo Enchova, na Bacia de Campos, posteriormente destruída por um trágico incêndio, e de cuja reconstrução pude atuar.
Além do macacão laranja ainda limpo, da emoção de iniciante e da responsabilidade de fazer um levantamento do campo para instalar uma planta de desidratação, lembro da presença de uma jovem técnica, também no seu primeiro embarque, que me apoiaria no projeto. Ela, naturalmente, também não estava adaptada à nova rotina, e a experiência funcionou como um batismo para tornarmo-nos “petroleiros”.
Durante aquela viagem constatei que não existiam alojamentos ou banheiros adequados para mulheres na plataforma – muitas vezes fiquei na entrada desses espaços para que minha colega pudesse usá-los.
Passados mais de 30 anos desde o episódio acima, a busca pela igualdade de gêneros tem feito parte de ações e de planos estratégicos de grandes corporações e compõe um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU. No entanto, em ritmo progressivo, porém extremamente tímido, o segmento de óleo e gás ainda é um dos que menos tem participação feminina.
Hoje, a crescente presença das mulheres em diversas atividades econômicas é um consenso. A adoção de políticas afirmativas, institucionais e empresariais não constituem mera ação simpática ou mercadológica, e sim uma estratégia contemporânea adequada e que, por isso mesmo, deve ser praticada com medidas concretas.
Na indústria do petróleo, durante décadas, a participação da mulher se deu em atividades administrativas, financeiras, jurídicas e de RH. Já na área de engenharia, a participação feminina ainda possuía traços mínimos, impactados pela tradição masculina dos cursos de Engenharia e de Química Industrial. Bom exemplo desse contexto é que a principal empresa de petróleo do país, a Petrobras, com cerca de 60 anos de existência, só teve, por uma única vez, uma mulher como executiva principal.
Dados do Boston Consulting Group (BCG) mostram que no mundo, historicamente, os setores de petróleo e gás foram pouco ativos na promoção do equilíbrio de gêneros, com a participação feminina representando somente 22% da força de trabalho destes setores, só superados quanto à baixa representatividade pelo setor de construção, com uma participação feminina da ordem de 11%. Para exemplificar esse distanciamento setorial, o mesmo relatório registra que o setor da saúde conta uma participação feminina da ordem de 60%, e o setor financeiro, de 39%.
No Brasil, as empresas da indústria do petróleo começaram a alinhar seus planos estratégicos a princípios objetivos de equidade de gênero, e fazem isso não somente pelo viés quantitativo, mas também por meio de políticas voltadas para a ocupação de cargos de liderança. Essas ações passam não só pela qualificação profissional, mas também pela derrubada de preconceitos velados por parte daqueles que reagem às chamadas políticas inclusivas de qualquer espécie.
Neste cenário, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), atualmente presidido pela primeira vez por uma mulher, criou o um Comitê de Diversidade que, além de desenvolver um programa de mentoria para lideranças femininas, consolida boas práticas voltadas à equidade de gêneros existentes no país e no exterior.
Tal iniciativa é fundamental para atrair novos talentos femininos para a indústria do petróleo, para concursos públicos no setor e para reverter a imagem de um segmento com vocação tradicional masculina.
Aliás, como a citação da colega que abriu este artigo, me recordo também de participar de uma das edições da Rio Oil & Gas com a então ocupante de uma vice-presidência Internacional da Shell, Patricia Garcia – na ocasião, observei o brilho no olhar das jovens estudantes de Engenharia que a cercaram após a conferência, ávidas por informação, o que mostra o efeito alavancador de bons exemplos, extremamente necessários para uma cultura corporativa de equidade.
Wagner Victer é engenheiro, administrador, ex-Secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo e ex-Conselheiro do CNPE