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A descarbonização por trilhos x rodovias
Segundo a ANTP, considerando-se a eficiência energética relativa, que reflete a energia despendida para o transporte de uma tonelada de carga, o transporte por trilhos emite 85% menos GEE que o modal rodoviário

O segmento de transporte ferroviário brasileiro considera que a jornada da transição energética do segmento de transporte será realizada sobre trilhos. Explica-se: as entidades que representam as operadoras que atuam tanto no transporte ferroviário de cargas como no de passageiros acreditam que a expansão do transporte sobre trilhos, em substituição ao poluente transporte rodoviário, por si só já representará um salto na descarbonização do segmento de transporte,
Atualmente, o setor de transporte é responsável por cerca de 11% das emissões de poluentes no Brasil – o equivalente a 260 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (MtCO2e) por ano –, segundo a Coalizão para a Descarbonização dos Transportes. Formada por mais de 50 associações setoriais, empresas e academia, a coalizão apresentou em maio ao Governo Federal um amplo plano que propõe uma série de medidas para reduzir em até 70% as emissões setoriais de gases de efeito estufa previstas em 2050 e atrair mais de R$ 600 bilhões em investimentos verdes ao Brasil.
Entre as medidas aconselhadas pelas empresas está buscar uma melhoria do mix da matriz de transportes, excessivamente concentrada no modal rodoviário e extremamente dependente de combustíveis fósseis. De acordo com a coalizão, o rebalanceamento da matriz de transporte de cargas, com o aumento da participação dos modais ferroviários e hidroviários dos atuais 31% para 55%, ao fim de 2050, teria potencial para evitar a emissão de 65 MtCO₂e no período, na comparação com o cenário de inação previsto para 2050.
Ferrovia: menos emissões com mais carga
A Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) defende a ampliação da participação do modal ferroviário no mix dos transportes como medida para contribuir para a descarbonização do segmento. De acordo com a associação, embora tenha uma participação de 21,5% na matriz do transporte de cargas no Brasil, as ferrovias apresentam as menores emissões: apenas 1,41% do total do setor.
“As ferrovias permitem o deslocamento de grandes volumes de cargas e passageiros com menor consumo de energia e volume de emissões de gases de efeito estufa”, afirma Ellen Martins (foto), diretora de Governança e Sustentabilidade da ANTF. A entidade representa 14 das 15 concessões ferroviárias do país do país, responsáveis pela operação de uma malha de 30,3 mil quilômetros de trilhos e pelo transporte de cerca de 530 milhões de toneladas por ano.
Na matriz atual, o transporte rodoviário mantém presença dominante, com uma participação de 67,6%. Responde, também, pela maior parte das emissões de dióxido de carbono: 92,43% das emissões de CO2 – ou 194.609.851 toneladas – vêm dos caminhões que circulam nas estradas brasileiras.
O transporte aquaviário detém uma fatia de 10,6% da matriz dos transportes de cargas, mas suas emissões são maiores que as do modal ferroviário: 3.519.934 toneladas de CO2, o equivalente a 1,67% do total.
Ellen Martins destaca como ponto favorável às ferrovias, na comparação com o transporte rodoviário de cargas, a grande capacidade de movimentação de volumes – o que influi para a baixa intensidade de carbono desse modal. Uma composição ferroviária com 120 vagões transporta o equivalente à carga de cerca de 364 caminhões.
No Brasil, as empresas de transporte ferroviário contam predominantemente com locomotivas diesel-elétricas. Segundo dados da ANTP, considerando-se a eficiência energética relativa, que reflete a energia despendida para o transporte de uma tonelada de carga, o transporte por trilhos emite 85% menos Gases de Efeito Estufa (GEE) que o modo rodoviário.
Metrô SP: transporte metroferroviário proporcionou redução de emissões de 2,4 milhões t de poluentes e economia de 1,2 bilhão de litros de combustível fóssil no transporte de passageiros (Foto: ANPTrilhos)
“Esse desempenho evidencia as vantagens da migração da matriz de transporte do Brasil para o modal ferroviário”, aponta Ellen. “A cada 1% de aumento das ferrovias na matriz de transporte, há uma redução anual nas emissões de GEE de cerca 2 milhões de toneladas – o que equivale ao total de carbono sequestrado anualmente por uma floresta de árvores nativas do tamanho da região metropolitana de São Paulo.”
Segundo a ANTF, as suas associadas adotam medidas com o objetivo de reduzir os impactos de suas atividades na mudança climática. Entre as iniciativas estão a modernização da frota de locomotivas, com a incorporação de ativos mais eficientes e desmobilização de ativos com pior eficiência energética, a utilização de combustíveis renováveis nas locomotivas e o desenvolvimento de projetos de eficiência energética nas concessionárias.
As empresas do setor também estão dedicando-se a testes com combustíveis menos poluentes. Há estudos envolvendo o uso do óleo vegetal hidrotratado (HVO), etanol e amônia, além de testes com locomotivas movidas a bateria elétrica.
ANPTrilhos: o transporte por trilhos é a própria transição
“Quando se trata do setor metroferroviário, costumo dizer que nós não fazemos a transição climática; nós somos a solução climática. Por quê? Porque somos um setor extremamente descarbonizado”. Com a frase, Ana Patrizia Lira (foto), diretora-executiva da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANP Trilhos), costuma resumir como a associação, que congrega quase a totalidade das operadoras metroferroviárias de passageiros do país, enxerga o papel deste segmento na transição energética.
A executiva lembra que os metrôs, trens urbanos e outras formas de transporte sobre trilhos nas cidades, além de serem totalmente eletrificados, oferecem como benefício tirar ônibus e automóveis, movidos a combustíveis fósseis, das ruas, o que, além de contribuir para reduzir os engarrafamentos, proporciona uma significativa redução das emissões de poluentes.
A associação calcula que, no ano passado, os benefícios oferecidos pelo transporte metroferroviário atingiram um montante de R$ 33,6 bilhões para a sociedade, considerando-se ganhos sociais, ambientais e econômicos. Entre esses ganhos, está a redução de emissões de 2,4 milhões de toneladas de poluentes, uma economia de 1,2 bilhão de litros de combustível fóssil no transporte de passageiros e a redução de 1,5 bilhão de horas economizadas nos deslocamentos diários pelas grandes cidades.
A ANPTrilhos calcula que a retirada de ônibus e carros das ruas, substituídos por trens urbanos, metrôs e outras formas de transporte sobre trilhos, resulta em uma redução do de custo operacional de R$ 11,7 bilhões. Também estão incluídos nesses cálculos a redução de custos com acidentes, de R$ 432 milhões.
Segundo dados da ANPTrilhos, os sistemas metroferroviários registraram, no ano passado, um crescimento de 3,6% na demanda, com o transporte de 2,57 bilhões de passageiros. Mas um dado mostra que houve um retrocesso nessa frente. “Uma pesquisa realizada em 2017 sobre a forma como as pessoas eram transportadas mostrou que 50% era individual e 50% era feito de forma coletiva. Quando essa pesquisa foi repetida agora, vimos que 64% do transporte era individual contra 30% de coletivo”, disse Ana Patrizia.
A ANPTrilhos defende um novo marco regulatório para o setor, incentivos para projetos de modernização e ampliação da malha ferroviária e a criação de políticas públicas voltadas à mobilidade integrada como forma de ampliar a sua presença e, com isso, a descarbonização dos transportes.
MRS Logística: aposta no biodiesel
A MRS Logística, que administra uma malha ferroviária de 1.643 quilômetros em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, está realizando testes com o biodiesel em suas locomotivas como parte dos esforços para descarbonizar suas atividades. A operadora tem como meta reduzir em 15% a intensidade de emissões até 2035, o que implica atingir um índice de intensidade de emissões de 8,10 gCO2e/TKU até essa data, considerando-se os escopos 1 e 2.
MRS adota mistura de 14% de biodiesel em suas locomotivas e faz testes para usar 100% do biocombustível (Foto: MRS Logística)
“Para atingir esse objetivo, temos atuado em iniciativas e estudos envolvendo biocombustíveis, locomotivas mais eficientes e melhoria da eficiência energética”, afirma Nathalia Scaldini, gerente de Sustentabilidade/ESG da MRS.
No caso específico do biodiesel, a companhia adota a mistura de 14% do combustível ao diesel em suas locomotivas, cumprindo as exigências da legislação. Mas já realizou testes estáticos com o objetivo de avaliar a confiabilidade do funcionamento das locomotivas utilizando 100% de biodiesel (B100). “O teste permitiu obter dados essenciais para avaliar possíveis operações futuras mais confiáveis e eficientes”, disse Nathalia.
A MRS Logística também busca fomentar, junto a fornecedores e parceiros, o desenvolvimento de soluções que possam ser aplicáveis às suas operações. Segundo a companhia, foram adquiridos turbos Hedemora, componentes essenciais das nossas locomotivas, que deverão reduzir o consumo de combustível em cerca de 0,5%. A empresa também incorporou à sua frota locomotivas do modelo ES44, 5% mais eficientes que o modelo AC44i no consumo do combustível.
Os esforços vêm surtindo resultados. “Em 2024, foi registrada uma redução de 2,9% nas emissões de GEE por unidade de produção, levando em consideração os escopos 1 e 2. Já nas emissões absolutas (totais), considerando escopos 1, 2 e 3, a redução foi de 4% se comparado ao ano de 2023, mesmo com aumento de volume registrado no ano. Ou seja, transportamos mais, emitindo menos gases do efeito estufa”, comemorou a gerente.
Rumo aposta em tecnologia e eficiência
Maior operadora privada de ferrovias de carga do país, a Rumo se vê como uma alavanca de descarbonização dos mercados que atende, considerando-se que o modal ferroviário emite bem menos CO₂ do que o transporte rodoviário.
Em 2024, a Rumo movimentou 79,8 bilhões de TKU, o que representou não apenas um ganho em eficiência, mas também em sustentabilidade: a empresa obteve redução de 3,3% nas emissões específicas, evitando a emissão de aproximadamente 6,9 milhões de toneladas de CO₂, considerando o volume que seria transportado por rodovias.
Dados do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável apontam que a participação do modal ferroviário na matriz logística nacional pode saltar de 16% para 33% até 2050, com ganhos significativos de eficiência e sustentabilidade. Segundo a Rumo, a expectativa, dentro desse cenário, é que ocorra uma modernização da frota com adoção de sistemas híbridos em 60% das locomotivas, ampliação do uso de biocombustíveis — como biodiesel, diesel verde e etanol —, além da expansão de rotas de baixo carbono.
Em 2024, a Rumo movimentou 79,8 bilhões de TKU, o que representou redução de 3,3% nas emissões específicas (Foto: Rumo)
A empresa lembra que fabricantes do setor ferroviário já vêm estudando alternativas para o desenvolvimento de novas frotas com sistemas de motorização mais eficientes, visando ampliar os índices de desempenho energético e reduzir a pegada de carbono.
A Rumo informou que tem investido de forma estratégica em tecnologias que contribuam para uma logística mais limpa e eficiente. Um exemplo foi a implementação do Trip Optimizer, sistema embarcado que utiliza algoritmos para otimizar a condução dos trens a partir de 19 km/h, gerando uma redução anual de 4% no consumo de diesel e evitando a emissão de cerca de 25 mil toneladas de CO₂ por ano na operação.
Atualmente, 81% das viagens no principal corredor da empresa, entre Rondonópolis (MT) e Santos (SP), já operam com esse sistema, o que representa uma economia anual de 4% no consumo de diesel e evita a emissão de cerca de 25 mil toneladas de CO₂. A iniciativa faz parte dos esforços da companhia de reduzir em 21% as emissões específicas de GEE até 2030, com ano base em 2020.
Outro marco importante foi o início das operações com o trem de 135 vagões. O novo modelo possui capacidade de 17.200 toneladas brutas — um ganho aproximado de 9% em relação ao modelo anterior, de 120 vagões — e mais do que o dobro da capacidade dos trens de 80 vagões (7.600 toneladas), que circulavam até 2021. Esse modelo proporciona ganhos expressivos de escala e redução de emissões por tonelada transportada.
A tendência para 2025 é ampliar ainda mais essa margem de eficiência, após um investimento de cerca de R$ 350 milhões na viabilização do novo modelo operacional. Em 2024, a companhia registrou redução de 3,3% nas emissões específicas de gases de efeito estufa, mesmo com o crescimento do volume transportado.
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